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Conhecendo meus livros
Conhecendo meus livros

 

Olá, amigos! Nesta página vocês poderão conhecer melhor os meus livros - publicarei alguns trechos a partir de hoje (29/07/2014)  

 

 Só mais uma historinha do livro "Luara e suas histórias malukets 2" e chega, né?

HOSPITAL OU HOTEL? 

Esta foi comigo, gente.

Um belo dia precisei fazer uma minúscula cirurgia e minha mãe me levou para o hospital na noite anterior ao dia marcado pelo médico. Eu precisava passar a noite ali, descansando. E nem me perguntaram se eu estava cansada!

Me levaram para o 4º andar, num quarto que parecia de hotel. Até achei que a mamãe tinha errado o endereço. Mas logo depois vi que não, porque uma enfermeira chegou. 

- E aí, querida, tudo bem? – Perguntou sorrindo.

- Como assim, tudo bem?!... – Pensei.

Acredito que seja impossível estar tudo bem, se precisamos fazer uma cirurgia.

Como não respondi nada, ela disse que ia me colocar no soro. 

E tome agulhada na veia!... Foi horrível. Ainda bem que minha mãe estava comigo e pude apertar a mão dela. Com a mão livre, é claro! Mamãe foi minha acompanhante até o dia seguinte, quando seria a cirurgia.

Ficamos ali assistindo TV a cabo e conversando. Fizemos algumas ligações pelo celular e até demos algumas gargalhadas, apesar da plaquinha de “Pissssssssiu – silêncio”.

Só que minha mãe teria de dormir no sofá, pois o hospital não oferecia roupas de cama para acompanhantes. E ela já estava preocupada como iria aguentar a noite inteira. Deitou meio desajeitada. Já estávamos quase dormindo, quando um enfermeiro muito espalhafatoso, mas agradável, entrou sem bater na porta.

- Boa noite. Está tudo bem, querida?

Parecia frase feita.

- Sim. Obrigada.

- Meu Deus!... Coitadinha dela!... – Ele se referia à minha mãe. – Não vou deixar você dormir assim, não! Vou pegar travesseiro, lençol e edredon.

E pegou mesmo. Muito bonzinho, ele.

Resultado: mamãe não pôde reclamar de nada. Estava tudo perfeito... para ela.

De manhã, bem cedinho, outra enfermeira simpática veio me buscar. Fiquei gelada de medo.

- Bom dia. Vamos? Está tudo bem?

Tive certeza que essa frase é realmente “frase feita”.

Levantei obediente e fui atrás dela, segurando o frasco de soro mais ou menos no alto. Mas, como não estava muito alto, o meu sangue começou a voltar e encher a mangueirinha transparente. Quando vi aquilo, quase desmaiei.

- Enfermeira... o sangue está...

Ela olhou para trás e quase gritou de susto:

- Ai, Meu Deus!... Levanta mais o soro, meu bem!... Não, deixa que eu mesma levo ele.

E lá fomos nós para o 1º andar, onde ficava o centro cirúrgico. Descemos de elevador, que ninguém é de ferro.

Bom, o que aconteceu durante a cirurgia eu não posso contar porque eu apaguei geral. Até sonhei com os anjos. Só vi quando já estava de volta ao quarto. E lá estavam: meu tio, minha tia e mais um monte de gente para me visitar.

Ficaram ali conversando sobre todos os assuntos que se possa imaginar, menos sobre o meu caso. Mas eu gostei de ouvir a voz da galera. Eu estava tão carente naquele momento que tudo o que eu queria era mesmo ouvir vozes amigas.

Eu só teria alta depois do almoço e aí...

Vocês nem vão acreditar, porque o almoço era um verdadeiro banquete dos deuses. Uma delícia que poucos restaurantes conseguem oferecer. Me refestelei, né? E a minha mãe também.

Depois de tudo, fui para casa e tudo correu bem, pois poucos dias depois eu já estava tranquila e não sentia mais nada.

E até hoje ainda tenho um pouquinho de dúvida sobre aquele lugar... seria mesmo um hospital ou um hotel disfarçado?...

Cada coisa!...

 

E aqui vai mais um episódio do livro: Luara e suas histórias malukets 2:

A CAIXA REGISTRADORA 

Uma das minhas tias tem um cliente que... ah, ela – a minha tia – é técnica em informática e tem vários clientes, é claro! Mas tem um que é demais! Ele tem uma pequena loja numa pequena cidade. E tem também uma funcionária que causou alvoroço no trabalho.

A moça é caixa da loja. A única, porque a loja é pequena, como eu já disse.

Um dia ela falou com o patrão, seriamente preocupada:

- Seu Jorge, o refluxo da caixa registradora está errado. Não está batendo. O que faço?

- Leve a coitada ao médico!... Como que ela vai trabalhar direito passando mal? – Respondeu o homem carrancudo e já cansado de ouvir baboseiras durante um dia inteiro de trabalho.

- Não entendi, seu Jorge...

- Menina, se ela está com refluxo, pode até vomitar tudo o que está dentro dela, não é?

- Ainda não entendi, seu Jorge...

A essas alturas, todos os funcionários da loja, alguns clientes e a minha tia, já estavam cheios de compaixão pela pobre e inocente (acho que burra também) moça do caixa.

- Me explica o que é refluxo, garota!

- Seu Jorge, eu pensei que o senhor soubesse melhor do que eu!... – Respondeu incrédula.

- Pois é... mas eu não sei. Então me explica.

Ela ficou meio sem graça, porque achou um absurdo o dono da loja não saber o que significava refluxo de caixa, mas respondeu:

- Refluxo de caixa, em finanças quer dizer montante de caixa recebido e gasto por uma empresa num período definido, que demarca a entrada e saída de capital de uma empresa. No nosso caso: loja.

Gente, eu juro que já li um texto idêntico na internet! Tenho certeza que ela leu também e decorou direitinho. Porque ela falou tão rápido e tão ritmado que só pode ser texto memorizado.

- Mocinha, você está querendo dizer: fluxo de caixa e não refluxo de caixa! Com refluxo vai ficar você, depois do safanão que vou te dar!... Tenho uma funcionária que não sabe nada sobre o próprio trabalho. Eu mereço!...

- Mas, seu Jorge... eu... Meu Deus, que vergonha! – Respondeu com as bochechas coradas.

- Moça, refluxo é outra coisa. É regurgitação, queimação no esôfago por causa de algum alimento que não bateu bem no estômago. Não posso perdoar tanta estupidez e...

Mas, apesar de tudo, ela parece ser uma pessoa de sorte, porque minha tia disse que bem naquela hora difícil, o filho do patrão chegou. E, por incrível que pareça, ele é apaixonado pela garota do refluxo e interrompeu o pai, em sua defesa:

- Pai, não precisa ser tão duro com ela. Tenho certeza que foi só uma distração. Você não sabe que as pessoas erram?

O homem lançou um olhar de reprovação ao filho e foi para o escritório.

- Desculpem o nervosismo do meu pai. Vocês sabem que as pessoas erram.

Parecia que o rapaz só sabia dizer isso.

A verdade é que minha tia chegou em casa morrendo de rir e me contou este episódio que eu não podia deixar de repassar para vocês, leitores. Mas, quero deixar claro que a minha tia não riu por deboche. Apenas porque foi mesmo muito engraçado.

A partir de agora, vou prestar bastante atenção quando falar. Não quero pagar um mico desses. Deve ser muito desagradável.

 

Mais um texto do mesmo livro (Luara e suas histórias malukets 2):

A VIAGEM INESQUECÍVEL 

Esta aconteceu com duas irmãs que nunca tinham viajado juntas e resolveram, finalmente, programar uma viagem, segundo elas, inesquecível. Iriam a Foz do Iguaçu... Sinceramente, não acho tão inesquecível assim!...

Ops, o entusiasmo é delas e não meu!

Como era a primeira viagem juntas, não importava aonde fossem. O importante mesmo para elas era estarem juntas em algum lugar diferente.

E já que a história é verídica,vou dar a elas nomes fictícios por uma questão ética. Eu aprendi muito sobre ética com um tio meu que é muito sábio, e estou bastante entusiasmada em colocar em prática.

Bem, as irmãs Júlia e Silene combinaram tudo numa agência de viagens e ficou marcado para a semana seguinte.

Respiraram aliviadas e felizes. Finalmente realizariam o tão desejado passeio a sós.

O ônibus sairia da Praça Oito em Vitória/ES, às 22 horas do dia tal. Não vou dizer o dia certo. Acho que já estou dando dicas demais! Não estou dizendo que são episódios da vida real, gente?!...

Enfim... quase duas horas antes, lá estavam as queridas irmãs no local marcado para a saída.

Já estavam cansadas de tanto esperar, quando finalmente o ônibus chegou. Uma olhou para a outra e trocaram sorrisos felizes.

- Chegou a hora, irmãzinha! – Disse Júlia.

Silene deu um abraço apertado na irmã mais velha, exclamando cheia de alegria:

- Nosso sonho será realizado, querida!

Tiveram que esperar pelos “atrasildos” que geralmente formam a maioria. Mas, às 23 horas estavam todos acomodados em suas poltronas, só aguardando o motorista que precisou dar uma saidinha. Sabe-se lá para quê!

Antes que o motorista voltasse, um rapaz de aparência estranha entrou no coletivo sem dizer uma única palavra. Todos pensaram que fosse um passageiro, mas não era coisa nenhuma! Não passava de um ladrão sonso e sorrateiro.

Ele foi até o final do corredor do ônibus e anunciou o assalto.

- Isto é um assalto!... Vão passando tudo, rapidinho! E nada de gracinhas, hein?!...

Os passageiros ficaram mudos diante da situação. As irmãs do episódio se apertavam tanto que até ouviram um estalar de costelas.

O ladrão pensou que só ele era corajoso ali, mas quebrou a cara, porque tinha mais um. Esse “um” não perdeu tempo e levantando do seu lugar, partiu decidido para cima do sujeito.

- Quem está fazendo gracinha aqui é você, meu amigo!... Pode rachar fora, senão vai sair daqui morto!

O ladrão, que não era lá essas coisas, tremeu nas bases e obedeceu de imediato. Saltou do ônibus e saiu correndo pela rua.

O problema é que alguém, escondidinho, tinha ligado para a polícia e só se ouvia a sirene cantar lá fora.           

Foi um alvoroço danado. Uma gritaria louca.

Todos saíram do ônibus e fugiram desesperados, com medo de sobrar alguma bala perdida. Mas, depois de muito tempo, a responsável pela viagem conseguiu juntar todo mundo de novo e explicar que estava tudo bem e que iriam sair naquele momento.

Novamente sentaram em seus lugares e o ônibus saiu rumo à Foz do Iguaçu.

Tranquilas as irmãs relaxaram e fecharam os olhos. Agora estava tudo bem.

Antes de saírem da cidade, o motor do ônibus começou a falhar e os passageiros sentiram os arrancos.

Ju e Sil (vou chamá-las assim agora) se entreolharam assustadas.

- O que será desta vez, Ju?

- Vai saber, Sil!... Ai, Meus Deus!...

Nervosa Ju gritou:

- O que está acontecendo, motorista?

O homem não respondeu de tanta raiva.

- Eu perguntei...

- Minha senhora, “queta o bico” aí, droga!

Sil olhou para Ju e sussurrou em seu ouvido:

- Começo a crer que fizemos uma besteira aceitando este pacote sem conhecer a empresa de turismo. Que baixaria!...

Mal ela acabou de sussurrar e a agente de viagem anunciou em altos brados:

- Gente, sinto muito, mas não vamos continuar. O ônibus quebrou e não temos outro.

Os passageiros formaram uma confusão terrível.

- Quero meu dinheiro de volta! – Gritou um rapaz barbudo.

- Sil, vamos para casa.

- Como, Ju?... À esta hora?...

Um carro da polícia já tinha encostado para averiguação e um soldado se ofereceu para levar as duas em casa. Elas aceitaram porque não viram outro jeito.

- Obrigada, seu guarda. Nós até agradecemos. Mas, por favor, ao chegarmos à casa da nossa mãe, não faça barulho. Ela tem problema de coração e se souber que chegamos num carro de polícia, pode ter um treco.

- Ok, madame.

E lá foram elas de cabeça baixa.

Mas as irmãs eram osso duro de roer (são até hoje!) e não desistiram.

No dia seguinte já começaram a ligar para outras agências de viagem.

Depois de muitas ligações, Ju conseguiu uma que ainda tinha duas vagas.

- E aí, deu certo? – Perguntou Sil aflita.

- Tudo ok, minha linda! Amanhã, estaremos viajando às 20 horas. Vamos esperar o ônibus na pracinha de Vila Velha. Ele passará por ali e lá estaremos. Foi o que combinei com a responsável pela viagem.

- Então, hoje podemos dormir em paz.

E dormiram mesmo. Até sonharam que atravessavam a Ponte da Amizade para fazer compras no Paraguai. 

No dia seguinte Sil acordou cedo. Como moravam no interior, estavam hospedadas na casa da senhora sua mãe, na capital, de onde sairiam.

- Já acordou, Ju?

- Já. E você?

- Claro, né?!... Se estou falando, só posso estar acordada!...

- É verdade... acho que não acordei direito ainda. – Concordou Ju sonolenta.

- Sonhei que já estava lá. – Comentou Sil.

- Eu também. A gente atravessava a Ponte da Amizade para fazer nossas comprinhas.

- Não vejo a hora de partirmos, Ju.

- Ah, Sil... é tudo o que eu quero também!

- Já estou até nos vendo cheias de sacolas, atravessando a aquela famosa ponte.

- Até parece mentira...

E ficaram na cama um tempão, só delirando.

Finalmente chegou a hora de irem para o local combinado, a tal pracinha.

Lá foram elas cheias de expectativas.

Sentaram num banco da praça e deixaram as malas no chão.

Poucos minutos depois um funcionário de uma farmácia em frente foi até elas e aconselhou solícito:

- Se estão de mala é porque vão viajar, não é mesmo?... Acho melhor vocês esperarem o ônibus lá dentro da farmácia. Aqui é muito perigoso, tem muito pivete.

- Obrigada, moço. Nós aceitamos.

E o rapaz levou as malas para elas.

Ficaram ali conversando enquanto esperavam.

Conversa vai, conversa vem... De repente Ju gritou desesperada:

- Sil!... Olha lá o ônibus!... Ele passou pela outra rua!... Não vai passar aqui!

- Não acredito nisso, Ju!

As duas saíram correndo atrás do ônibus, gritando como loucas. Não podiam perdê-lo em hipótese alguma... mas perderam. 

Quando viram que não conseguiriam alcançá-lo, pararam e sentaram na calçada, completamente arrasadas.

- Ju, você está acreditando nisso?

- É difícil, mas estou.

Mais uma vez voltaram jururu para casa. É... elas tinham razão quando disseram que seria uma viagem inesquecível. Acho que sabiam o que estavam dizendo. Realmente impossível esquecer, né?...

Quem me contou esta história, também me disse que as irmãs estão até hoje planejando uma possível viagem. Talvez fique só no planejamento. Vai saber, coitadas!

Cada coisa que acontece com os seres humanos que até fico com medo de viver!... Mas, como gosto muito de estar viva, vou levando assim mesmo, na cara dura! E seja o que Deus quiser!...

 

Vamos a mais um episódio do livro "Luara e suas histórias malukets 2"?

QUANTO MICO!

_Vocês acreditam que tem gente tão desligada que por causa disso, paga mico o tempo todo?

Pois eu conheço uma pessoa que é assim. O nome dela é Rita.

Ela própria me contou seus micos, morrendo de rir.

A Rita contou que uma vez ela foi visitar a cunhada dela que tinha se mudado para outro apartamento. Era a primeira vez que Rita ia lá. A cunhada explicou onde ficava e ela foi. Subiu as escadas até no 2º andar. Rita entendeu que era no 2º andar e chegou segura de si.

Ia tocar a campainha, mas percebeu que a porta estava entreaberta. Entrou tranquilamente, chamando pela cunhada. Mas ninguém respondeu e ela foi entrando em todos os quartos, banheiros, cozinha... e nada da cunhada.

Resolveu ir embora e voltar outra hora.

- Meu Deus, Marie é muito distraída! Como pode sair de casa e deixar a porta aberta? Que vacilo!... Pode até entrar um ladrão. Vou pegar a chave, trancar a porta e ligar para ela avisando.

E assim Rita fez.

Desceu as escadas e ligou para a cunhada. Tocou, tocou e caiu na caixa postal. Por algum motivo Marie não atendeu.

- Vou ficar com a chave até conseguir falar com ela. – Pensou.

Rita foi embora e no caminho encontrou com Marie que já voltava para casa.

- Marie, como pôde esquecer de trancar a porta, mulher?

- Como assim?!... Eu tranquei sim, tenho certeza! – Falou, enquanto pegava a chave dentro da bolsa. - Aqui a chave. – Balançou o chaveiro na frente de Rita.

- Mas eu entrei, andei por todo o apartamento e não tinha ninguém lá!... Será que mais alguém tem a chave?... O antigo morador ou o dono do apartamento, sei lá!? Agora fiquei preocupada, Marie.

Acendeu uma luzinha na cabeça de Marie e ela, conhecendo tão bem a cunhada Rita, perguntou:

- Vem cá!... Você foi a qual andar?

- No 2º, por quê? 

- Rita, pelo amor de Deus, você entrou no apartamento errado!... Eu moro no 1º andar, amiga!

Rita sentiu o sangue gelar nas veias.

- Jesus!... E agora, Marie? Eu tranquei a porta e estou com a chave. Ai, meu Deus!... O que faço agora? Me ajuda a pensar...

- Vamos subir em silêncio. Se não tiver ninguém na porta querendo entrar, a gente abre e coloca a chave por dentro e desce rápido.

- Ideia excelente. Vamos lá.

Chegaram na portaria do edifício e tudo estava calmo. Entreolharam-se satisfeita.

Subiram as escadas em silêncio.

Não tinha ninguém no 2º andar. Sentiram um grande alívio.

Rita enfiou a chave na fechadura e abriu a porta. Rapidamente colocou a chave por dentro e puxou a porta. Mas naquele exato momento, chegou a moradora do apartamento.

Rita e Marie ficaram sem ação. E a recém-chegada perguntou assustada:

- O que está acontecendo aqui? O que estão fazendo?

- Então, menina!... Ouvimos um barulho aqui em cima e subimos. Você acredita que um sujeito estranho saiu de dentro do seu apartamento? Acho até bom você verificar se roubou alguma coisa. – Inventou Marie, apressadamente.

- Pois é, senhora. Ele passou por nós a mil. Quase derrubou a gente. – Reforçou Rita.

- Meu Deus, gente!... Agora que lembrei que esqueci a porta aberta. Ai, meninas, obrigada! Que vacilo meu, hein?!... Bem, se o safado roubou alguma coisa, o azar é meu. É bom para eu deixar de ser distraída. – A mulher sorriu.

- Então a gente já vai descer, tá?

- Tudo bem, vizinha. Mais uma vez obrigada.

E as duas desceram para o apartamento de Marie. E Rita precisou beber água para se acalmar.

Mas os micos de Rita não param aqui.

Um dia ela quase foi presa porque tentou abrir o carro de outra pessoa, jurando que era o dela.  

O dono do carro chegou bem na hora e chamou a polícia. Até ela provar que era inocente, demorou um tempão.

E ela nunca aprende a lição.

Todo vez que vai ao apartamento da irmã dela que mora no 4º andar, ela para no 3º e tenta abrir a porta com a chave que a irmã dela deixou com ela. A sorte é que os donos do apartamento nunca estão em casa, no momento dos seus vacilos, senão ia presa de novo.

Ela me falou que até já se acostumou com os micos constantes. Já fazem parte da sua rotina.

A Rita é doidinhazinha!...

 

Mais um texto do livro: "Luara e suas histórias malukets 2" 

NINGUÉM MERECE! 

Não, gente, isso já foi demais para minha tolerância!

É porque o ocorrido aconteceu com minha querida vovó que eu amo de paixão.

Vocês já passaram pelo que eu passei?... Quero dizer, a vovó.

Não fiquem ansiosos, já vou contar.

Bem, apareceu um tumor (benigno, graças a Deus!) nas costas da vovó. Na verdade, mais exatamente na parte superior da nádega e um pouco abaixo da cintura. Informação da própria vovó.

Coitadinha. Estava tudo inflamado e ela teve de procurar um médico. Se ainda fosse casada, teria um muito bom dentro de casa. Mas nem tudo acontece de acordo com os nossos planos. Os adultos sempre dizem isso e eles têm toda razão. Deixa pra lá! Vamos ao que interessa.

O tal médico mandou tomar o remédio indicado e encaminhou para um cirurgião.

Ela tomou os remédios, direitinho. E nada de melhorar.

Aí, ela voltou ao médico (o primeiro), mas ele garantiu que era assim mesmo. Ela foi para casa desiludida e com saudade do vovô. Do médico e não do ex-marido, tá, gente?

Resolveu obedecer às ordens médicas e procurou o tal cirurgião.

Gente, segundo ela, o tal cirurgião não passava de um garoto. E, provavelmente, mimado.

Na verdade, ela foi a ele para que olhasse o problema e marcasse o dia da cirurgia. Mas, o doido, resolveu arrancar o mal pela raiz na mesma hora e por mais que ela implorasse, ele arrancou.

- Ei, doutor!... Não sou cadáver para você dissecar, não!... Vai com calma!... Vira esse bisturi pra lá!... Não se esqueça que você já terminou a faculdade. Agora é gente de verdade que está deitada aqui, tá? – Choramingava minha avó. Mas ele nem dava atenção.

Como estava tudo muito infeccionado a anestesia local não “pegou”, como se diz por aí. Igual às leis no Brasil. Algumas pegam outras não.

Enfim... Não é preciso dizer o quanto a minha pobre vovó sofreu. Era um dia frio de inverno, mas ela suava em bicas. Ela disse que a dor era tanta que ficou até atordoada. Pensou que não passava de um pesadelo e que assim que acordasse, estaria tudo bem.

Que triste engano, coitada! Nem acordou, porque não estava dormindo.

Depois de ser operada, voltou para casa dirigindo o carro, porque ela tinha ido para o hospital só para que o médico olhasse o tumor e não que cortasse ela toda daquele jeito e ainda suturasse tudo com seis pontos horrorosos!

Quando lembro, me dá vontade de ir lá e quebrar a cara dele, juro!

Bem, ela chegou em casa toda estropiada e ainda teve que subir 57 degraus. Ela mora no 4º andar.

Lembrei de uma coisa, gente. E quem leu meu primeiro livro vai lembrar também. Aconteceu há muitos anos com ela algo parecido, que eu contei no primeiro livro. Aliás, pior ainda. Ela foi operada e teve de subir 217 degraus porque morava no 10º andar. Que sina, hein?!... Que destino atroz, esse da minha avó!... Mas vamos esquecer o passado.

Vovó ficou de cama uma semana inteira, morrendo de dor.

Na semana seguinte voltou ao louco do cirurgião, pensando que seria para tirar os pontos. Mas não foi não! Ele disse que continuava infeccionado (nós todos já sabíamos disso) e que iria “descosturar”, limpar e costurar tudo de novo. Ela quase desmaiou, imaginando que iria sofrer o dobro. E sofreu mesmo.

Sem dó nem piedade, ele arrancou os pontos. Ela não aguentou e implorou:

- Pelo amor de Deus, doutor!... Não estou aguentando.

- Tudo bem, então vou aplicar uma anestesiazinha. – Falou, calmamente, enquanto aplicava a tal anestesia sem a menor compaixão.

Gente, médicos precisam saber o que é compaixão e sentir isso no coração, não é verdade?

Bom, ele costurou... ou melhor... suturou tudo de novo (eu sempre esqueço a palavra certa). Isso não me chateia porque, mais cedo ou mais tarde vou aprender, pois serei fisioterapeuta, lembram?

Voltando ao assunto, ele suturou tudo de novo: seis pontos horrorosos.

Gente, quem faz isso com uma pessoa, só pode ser sádico, torturador, sei lá mais o quê!...

Ele mandou minha avó retornar na semana seguinte. Pelo visto, ele adora “a semana seguinte”.

Enfim, assim ela fez. Só que continuava infeccionado do mesmo jeito. Ele, com ar de entendido, olhou, apalpou, espremeu, machucou bastante, para satisfazer o seu próprio sadismo e só depois informou que era para ela retornar “na semana seguinte” quando tiraria os pontos.

Foi mais uma semana de sofrimento, pois não melhorou nada!

E tome antibiótico!

Os dias foram passando e ela ficando cada vez mais apavorada com a expectativa de ver aquele sádico novamente.

Faltando um dia para o retorno, ela decidiu que não queria ver aquele garoto mais, pois, se o visse, iria brigar com ele e ela é totalmente da paz.

Então resolveu finalmente telefonar para o meu avô, seu ex-marido.

Ele ficou assustado com o erro do coleguinha de profissão e prescreveu o que era devido no caso dela. Mandou que tirasse os pontos imediatamente, já que nem deveriam ter sido feitos.

E foi mais uma semana de remédios e repouso, mas sem dor.

Finalmente parecia que estava curada. Retomou sua vida normal. Mas, quando menos esperava, voltou a doer muito e inflamar de novo. E mais uma semana de troca de remédios, etc.

Mais uma semana foi se arrastando para minha avó.

Ela acabou indo a outra cidade procurar mais um médico.

Gente, vamos fazer os cálculos: 01 semana... 02 semanas... 03 semana... 04 semanas... 5 semanas... 6 semanas... 7semanas... total: 49 dias de sofrimentos, torturas e dúvidas! Realmente, ninguém merece. Muito menos a minha amada vovó!

Conclusão: era para ela se afastar do trabalho só por uma semana, mas acabou ficando afastada mais de dois meses... e sofrendo, coitada!

Gente, não é fácil não!...

Estou tremendo, só de contar.

Mas, agora está tudo bem. Minha avó já voltou ao trabalho e do jeito que ela é resignada, sou capaz de apostar que nem lembra mais desse episódio tão recente.

Estou pedindo a Deus que dê àquele garoto, algumas dicas de como ser um verdadeiro médico. Afinal, ele é humano também, embora não pareça. Ele precisa de ajuda para crescer profissionalmente... E espiritualmente também.

Acho que não passa de um garotinho bobinho e deslumbrado com a profissão que escolheu.

Eu não serei assim, quando for fisioterapeuta. Prometo a Deus, às pessoas e a mim mesma!

 

 Hoje postarei o primeiro episódio do livro: "Luara e suas histórias malukets 2" -

POBRE SONINHA! 

- Galera, foi horrível o que aconteceu com uma amiguinha da minha mãe e dos meus tios quando eles eram crianças.

Não foi minha mãe que me contou e sim o meu tio. Minha mãe se sentiu culpada e ficou com tanta pena da Soninha (é o nome da pobre sofredora), que nunca mais quis falar sobre o que aconteceu com ela.

Segundo o meu tio, irmão da minha mãe (Daann!...óbvio!... An... quero dizer... nem tanto assim... poderia ser irmão do meu pai também... é... então...), enfim... ele estava correndo atrás da mamãe para bater nela, apesar de ser mais novo. (Naquela época minha mãe não era mãe de ninguém, só tinha 8 anos).

Eles brigavam muito, como quase todo irmão.

Ela (minha futura mãe) gritava e corria pela casa e a Soninha corria com ela por amizade.

Minha mãe teve a infeliz ideia de se trancar no banheiro e não hesitou. Correu para lá e, sem olhar para trás, bateu a porta com tudo. Não percebeu que a sua amiguinha vinha logo atrás e que por azar apoiou a mão esquerda na porta do lado das dobradiças (é o lado da porta que espreme com mais violência). Não deu outra, né? Acidente!

O dedinho indicador da pobre Soninha foi decepado. Perdeu sua pontinha com unha e tudo. Só de ouvir o meu tio contar, fiquei toda arrepiada e me correu uma dorzinha fina nas pernas.

Fico imaginando a dor horrível que ela sentiu, coitadinha!

Aí minha futura avó, ouvindo os gritos, correu para socorrer. Quando viu a cena: a Soninha segurando a mão se esvaindo em sangue, minha mãe e meu tio chorando para fazer companhia à amiguinha, aí ela também começou a chorar, apavorada. Olhou entre lágrimas o dedinho da menina e gelou quando viu que faltava um pedaço dele.

Não perdeu mais tempo. Correu para a sala, pegou o telefone (fixo, né? Naquela época ainda não existia celular nos países de terceiro mundo) e ligou para o meu avô que é médico até hoje (aposentado, mas é!). Explicou às pressas o que tinha acontecido e ele deu as coordenadas:

- Pegue um algodão limpíssimo e enrole nele o pedacinho de dedo e traga imediatamente para o hospital, juntamente com a menina. Vou colocá-lo no seu devido lugar. Não perca tempo, porque senão o pedacinho de dedo morre!

Minha avó endoidou!

Jogou o telefone no sofá e voltou correndo para o corredor que levava ao banheiro fatídico. Entrou, pegou o algodão e saiu para achar o dedo. Achar era o verbo certo e único naquele momento. Não dava para ser de outro jeito. Tinha que achar!

Freneticamente, começou a procurar.

- Cadê o dedo, Meu Deus?!... Gente, me ajude a procurar o dedinho da Soninha!... Soninha, você vai para a sala e senta lá. Já vamos para o hospital. - Gritava a minha avó, morrendo de medo de não chegar a tempo de salvar o pedacinho de dedo.

E todo mundo procura daqui... procura de lá... até que minha avó o encontrou, colado com sangue seco na porta do banheiro. Ela só não vomitou, porque era meio enfermeira. Com alguns anos ao lado de um médico, a pessoa acaba virando, no mínimo, enfermeira.

Com o próprio algodão, ela pegou o pedacinho de dedo, tão branco que parecia de cera. Enrolou com cuidado e correu para a sala, gritando:

- Fátima!... A chave do carro, rápido!

(Fátima era a moça que cuidava da casa e das crianças).

A mocinha chegou com a chave, antes que a minha avó acabasse de pedir. Muito eficiente, ela!

- Vamos, Soninha, rápido! - E saiu quase arrastando a garota em prantos.

Não deu tempo nem de avisar à mãe da menina. Quase voou para o hospital. E nesse quase voo, um guarda de trânsito apitou, mas ela nem deu confiança. Naquele momento, não podia nem se dar ao luxo de ser honesta. Não podia obedecer ao guarda. Mas o guarda pisou fundo na moto, perseguindo ela. Até parecia cena de filme de mocinho e bandido.

Quando chegou lá, meu avô já estava esperando com tudo pronto para a cirurgia. E o guarda pronto para tomar a carteira dela e ainda dar uma boa bronca na coitada da minha avó. Mas o guarda era bonzinho e acabou compreendendo a situação e até perdoou.

Minha mãe (futura) ficou em casa rezando. Pediu perdão a Deus e que Ele não deixasse a amiguinha perder o pedacinho de dedo.

Como meu avô sempre foi um médico competente costurou a pontinha do dedinho da pobre Soninha no lugar e deu certo.

An?... Ah, tá. Obrigada, vó!

Minha avó acaba de me dizer que numa situação dessa não se diz costurar e sim suturar. Vivendo e aprendendo, né?

Depois que tudo passou, minha mãe pediu perdão à Soninha. A amiguinha disse que não precisava perdoar, porque ela não teve culpa nenhuma. E a minha mãe ficou aliviada. Triste, mas aliviada.

A Soninha ficou mais de um mês fazendo curativo no dedo, mas tudo terminou bem. Ou quase... Porque o dedinho indicador dela ficou meio tortinho, mas inteiro.

Minha mãe criou coragem (hoje) e me confessou que toda vez que ela olhava para o dedinho torto da amiguinha, sentia um aperto no coração.

Mas a vida é assim mesmo, né, gente? Cheia de altos e baixos! Minha avó sempre diz isso.

 

O último episódio que postarei do livro: Luara e suas histórias malukets. Depois postarei textos de outros livros.

COITADA DA MORGANA! 

            Morgana é a secretária do lar que trabalha na casa da minha mãe há 13 anos. Portanto, começou quando eu estava nascendo.

            A mamãe contratou ela justamente porque lhe disseram que era muito competente e que gostava de crianças.

            Até hoje, às vezes, me bate uma dúvida sobre o amor dela pelas crianças. Nunca me tratou mal, mas também nunca brincou comigo nem me fez um único carinho. Mesmo assim eu sempre me dei muito bem com ela. Até defendia ela com unhas e dentes quando alguém a chamava de bruxa antipática. E falando em unha, é sobre isso mesmo que vou falar daqui a pouco.

            Voltando à minha ex-babá, ela é séria demais, resmungona demais e tem um nome misterioso demais: Morgana. Não parece nome de gente malvada? De bruxa? Realmente não sugere maldade? Mas ela não é malvada, não! Na verdade, é tudo o que disseram à mamãe: uma pessoa boa e competente. Quanto a gostar de crianças... sei lá! Talvez por saber que é boa, eu gosto tanto dela. Acho que o defeito dela é só o mau humor mesmo.

             Hoje eu vejo a Morgana nos finais de semana, quando venho para minha casa, aqui na roça. Lembram? Estou morando com os meus tios na cidade.

            Desde que eu me entendo por gente que a Morgana sofre com uma unha encrava no dedão do pé esquerdo. Não me lembro de ter visto a Morgana sem essa unha encravada. Sempre com dor no dedão. Sua maior preocupação é proteger o sofrido dedão, coitada! E eu sofro junto com ela, não posso negar. Talvez esta seja a razão de tanto mau humor.

            Mas apesar do meu sofrimento por ela, tenho de admitir e divulgar o que penso sobre unhas encravadas. Eu confesso que acho de uma cafonice sem limite.

            Bem, vamos voltar à Morgana e seu dedão complicado.

            - Aaaai, Luara!... Não está vendo o meu dedo, não ?!...

            - Desculpe, Morgana! Eu estava mesmo pensando nele.

            - Pensou nele e pisou nele assim mesmo?!...

            - Morgana, procure entender. Não dá para ficar olhando o seu dedo o tempo todo. Desculpa, vai!...      

            Neste instante ela acaba de me virar as costas e voltar para a cozinha resmungando como sempre, gente. Não sei mesmo o que eu e a mamãe vimos nela.

            Acho que a unha encravada da Morgana não cura porque tem sempre alguém pisando nela. E também por causa do estado de espírito dela. Está sempre atraindo coisas ruins e negativas para si própria.  É lamentável, mas o que fazer?

            E tem outra coisa... não sei se vocês já perceberam que os machucados parecem atrair algum acidente contra eles. Eu já percebi.

            Bem, agora que ela saiu do meu quarto, vou contar alguns momentos difíceis que ela passou com a tal unha.

            Quando eu era menor, ela resolveu sair com umas amigas. Estupidamente usou um sapato fechado. Achou que estava abafando e lá foi ela para mais um dia de sofrimento. Chegou de volta em casa com os sapatos nas mãos e os pés no chão, mancando. Dava dó.

            Eu me lembro que pouco tempo depois, ela foi ao casamento da sua irmã mais nova. Pensando no estrago que os sapatos haviam causado, resolveu usar sandálias para não machucar o dedo, mas não adiantou nada a precaução. Antes que a festa terminasse, teve de voltar para casa, arrasada. Chegou aqui chorando de dor e raiva. Contou que um pesado senhor pisou no pé dela. O pé ficou um arraso mesmo, todo inchado.

            Parecia que o destino da pobre Morgana já estava traçado. Eu achava que nada em sua vida daria certo, por causa da tal unha encravada que não sara nunca. Até sai pouco de casa. Prefere ficar deitada nas horas de folga. Me corta o coração ver isso. Afinal, ela foi a minha única babá e se dedicou muito a mim, apesar de não ser nada carinhosa. E mesmo com toda a sua esquisitice, eu a amo muito e vou amá-la para sempre, tenho certeza.

            Vocês acreditam que um dia, eu estava no computador, como sempre, e nem me lembrava da tal unha da Morgana. A verdade é que ela desandou a gritar tão alto e desesperadamente que eu quase caí da cadeira. Corri para ver o que tinha acontecido desta vez, e junto comigo, quero dizer, ao mesmo tempo, alguns vizinhos entraram pela porta de serviço e correram para a cozinha, de onde vinha a gritaria.

            Ela estava sentada no chão ao lado do fogão, gritando freneticamente enquanto segurava com as duas mãos o tornozelo do pé machucado.

            - Calma, Morgana! – Socorri, apoiando a mão, carinhosamente, em sua cabeça.

            - Como posso ter calma?!... Pode me dizer?!... Bati o dedão do pé no pé do armário!... – Gritou ela com mais força e raiva ainda.

            Logo me toquei que tinha agido errado, já que se tratava da ranzinza Morgana. Ela jamais entenderia um gesto carinhoso num momento como aquele, tão dramático para ela.

            Eu até acreditei que ela estava sofrendo para valer e tirei por menos. Afinal, uma unha encravada e agredida deve doer para caramba!

            Tentei me aproximar novamente, mas ela gritou com todos nós, eu e os vizinhos solidários:

            - Vão embora daqui!... Vão embora todos!... Me deixem com o meu sofrimento!

            Olhei significativamente para os vizinhos e eles entenderam que era para “bater em retirada” e saíram aborrecidos porque, na verdade, eles queriam mostrar solidariedade. Tem gente que faz questão!

            Olhei para a vítima do seu próprio desastre e fiquei mais penalizada ainda. Que triste cena!

            A Morgana chorava com os olhos mergulhados em lágrimas e fixos na unha encravada que sangrava horrores.

            - Morgana, me deixe te ajudar, vai!... – Falei pisando em ovos.

            - ENTÃO PEGA A MALETA DE PRIMEIROS SOCORROS LÁ NO BANHEIRO! - Gritou comigo.

            Fiquei tão feliz que saí correndo e voltei correndo mais ainda. Sentei do seu lado e comecei a abrir a maleta branca com uma cruz vermelha na tampa. Enquanto abria eu pensava:

             - O que vou fazer com isto? Não entendo nada de enfermagem e nem tenho jeito para a coisa. Bem, era assim que eu pensava naquela época. Hoje penso diferente. Serei fisioterapeuta.

            Mas como dizer à nervosa Morgana que naquele momento eu não ia poder ajudá-la? Acabei de abrir o estojo branco e fiquei igual a uma idiota olhando aquele montão de coisas na minha frente: algodão, agulhas, éter, mertiolate, luvas, água oxigenada... tinha até um bisturi... imagina!

            Fiz o que achei mais lógico: peguei o algodão e encharquei com a tal água e me aproximei do pé atropelado pelo pé do armário.

            Quando olhei direito e direto para aquela unha, tive de segurar para não vomitar e nem deixar que a coitada percebesse o meu nojo.

            - Pobre Morgana!... – Pensei. – Eu estou com nojo dela... Puxa!... – Mesmo assim continuei firme no propósito de cuidar dela como retribuição por ter cuidado de mim por tanto tempo.

            Tinha de ser forte, pois um dia eu iria fazer um curso na área de saúde e era bom ir logo me acostumando. Naquela época eu ainda não sabia o que queria ser quando crescer, né, gente? Talvez tenha sido ali que, inconscientemente, eu decidi meu futuro profissional: Fisioterapia. Sei lá!...

            Bem, quando toquei o algodão gelado no dedão dela, ela deu um grito no meu ouvido que quase fiquei surda para sempre. A partir dali comecei a acreditar que a Morgana, além de estranha, era também uma frouxa covarde. Eu nem apertei o algodão nem nada! Por que o escândalo? E foi aí também que a minha paciência começou a se esgotar.

            - Morgana, cale a boca e me deixa trabalhar, droga! – Ordenei com a segurança de uma profissional e fiquei orgulhosa de mim mesma.

            Ela me olhou incrédula, pois eu jamais havia falado com ela naquele tom.

            Mas a verdade é que depois disso, ela ficou imóvel e, melhor ainda, em silêncio.

            Então, pude cuidar do dedão sofrido, com calma e competência, para minha própria surpresa.

            Ela ficou curada por algum tempo.   

            Mas um dia, cansada de tanto sofrer, resolveu procurar uma pedicura. Só que a profissional, de profissional tinha muito pouco, porque acabou com o dedo da pobre Morgana. Aquilo virou um caos, coitada. Como sofreu! Doía o peito da gente só de olhar para aquela triste e desoladora cena. E pela expressão de dor e desespero, eu entendi que ela estava vendo estrelas... muitas estrelas.      

            Vocês acreditam que outro dia a Morgana tropeçou no nada e caiu com tudo, acabando de vez com a sua pobre unha do dedão do pé esquerdo?  Em compensação, acabou também encontrando, finalmente, um grande amor e justamente por causa da unha encravada. Acredite quem quiser!

            Foi assim:

            Antes quero dizer que a Morgana tem 58 anos. Como estão vendo, já não é mais nenhuma mocinha.

            Mas apesar disso, adora olhar os gatos que passam por ela na rua. Aqueles gatos meio passados do ponto, vocês sabem.

            Ela se faz de santa, mas de santa eu acho que ela não tem nada! É bastante sonsinha. Mas não tem nenhuma importância. Afinal, a Morgana também gosta de namorar e ela está certíssima. Namorar é muito bom mesmo... eu acho... é o que dizem por aí!

            Bem, o fato é que ela nesse fatídico dia foi para o ponto de ônibus. Pretendia comprar umas coisinhas pessoais.

            Eu estava na varanda e fiquei olhando a minha antiga babá descendo a pequena ladeira em direção ao ponto de ônibus.

            Vinha um rapaz subindo e ela não perdeu tempo. Depois que ele passou por ela, aproveitou para olhá-lo melhor. Ela é discreta demais. Acho que é por isso que não arranjava namorado.

            A verdade é que no momento em que a nossa Morgana olhou para trás, tropeçou com o pé da unha encravada, como já era de se esperar e caiu com tudo no chão. O pior é que não tinha nada no caminho que pudesse ter sido a causa do tropeção. Acho que foi pelo nervosismo de olhar para um gato.

             E ela não ia deixar de xingar. Ela adora um xingamento, nunca vi coisa igual. Se bem que numa situação daquela até eu, que detesto palavrão, teria desabafado.

            - Merda!... Que unha miserável! – Gritou ela possessa.

            Fiquei toda arrepiada e corri em seu socorro, mas quando cheguei lá o rapaz, pivô do acidente, já estava ajudando a pobre Morgana a se levantar.

            Olhei para ele e pude ver de perto o tal rapaz.

            Era bastante velho para o meu gosto, mas para o gosto da Morgana certamente não era. Eu acho, porque ela gostou da ajuda. Aproveitou para se agarrar nele. E sou obrigada a confessar que naquele momento até senti um pouquinho de ciúme, como nos velhos tempos. Fiquei só olhando para o pé dela!... E por isso pude ver o dedão dela sangrando horrores.

            Aí quem gritou fui eu.

            - Morgana, o seu dedo está sangrando!

            O rapaz logo se ofereceu para levá-la até uma pequena farmácia ali perto.

            Fiquei pasma com a atitude ousada do cara, gente! Ele pegou ela no colo sem nada dizer e foi para a farmácia.

            Eu estava paralisada. E pensam que ela recusou o gesto dele? Nem um pouco! E lá foram os dois, como pombinhos recém-casados.

            Novamente senti um aperto no peito. Era de novo o ciúme atacando.

            Imaginem só!... Eu com ciúme da Morgana que nunca demonstrou ser minha amiga! Que delírio meu! Nada a ver...

            Bem, fui atrás dos dois e vi o conquistador colocando a minha ex-babá no chão. Ela desceu dos braços dele fazendo charme. Eu nunca, até aquele momento, soube que a Morgana sabia fazer charme. Sempre achei que ela era diferente de todas as outras mulheres do mundo.

            Na verdade, eu concluí que a Morgana, cansada de ficar sozinha, quis aproveitar aquela oportunidade que a vida estava lhe oferecendo para tentar conquistar alguém definitivamente. Podia ser sua última chance, nunca se sabe!

            O farmacêutico fez um curativo no dedão ferido e aconselhou ela a procurar um pedófilo, quero dizer, um podólogo.

            Percebi que o protetor da Morgana não tirou a mão do braço dela. E ela fingiu que não estava percebendo. Na verdade, ela estava gostando e tenho que admitir que tinha  razão, mais uma vez.

            Não que ele fosse um Tom Cruise, mas foi o que pintou para ela. Acho que ela pensou assim, ou talvez tenha mesmo achado ele um gato pra ninguém botar defeito, vai saber!

            Enfim, aquela topada angustiante tinha dado sorte para ela, pois aquele rapaz era nada mais nada menos que o seu futuro marido, vocês acreditam?

            É verdade. Agora estão preparando tudo para o casamento que vai acontecer no próximo mês.

            E vamos ficar sem a Morgana.

            Depois da notícia fiquei meio triste, mas me conformei diante da felicidade dela.

            Já avisou à mamãe que não trabalhará depois de casada. Aliás, isso é o que ela pensa!

            Já percebi que ser dona de casa é muito mais cansativo do que qualquer outro trabalho fora de casa. Vocês também já perceberam?         

            Quando eu casar não vou querer ser simplesmente dona de casa. Vou ser fisioterapeuta das boas! É o que quero ser e serei. O mundo que me aguarde!... E que a Morgana seja muito feliz com o seu grande e inesperado amor e com a sua unha eternamente encravada.    FIM

Do mesmo livro:

            O MOTORISTA INCONVENIENTE 

            Um dia eu e minha avó vínhamos da cidade para casa. 

            Como eu já disse lá no início do livro, ela tem um sítio onde passa todos os fins de semana e eu aproveito sempre a carona para ir à casa da minha mãe, porque a vovó passa na porta da casa dela para ir ao sítio.

             É verdade, agora a casa é da minha mãe, porque eu moro na cidade com meus tios, lembram?... Então!...

            Eu e ela vínhamos bem tranquilas deslizando pelo asfalto quando vimos lá na frente um fusca branco bem em cima da faixa amarela do centro.

             Muito estranho porque ele não desgrudava da faixa nem por um decreto.

            Tinha um motoqueiro, louco para ultrapassar e não conseguia porque ele não dava passagem para o coitado.

            Muito sinistro aquele fusca, gente!

            Continuamos devagar, pois não estávamos com pressa. E assim pudemos ficar observando tudo ao longo da estrada.

            E lá ia o fusca branco atravancando a vida de todo mundo.

             Custa jogar para o acostamento e deixar os outros passarem? É assim que a minha avó faz, porque ela sabe o carro que tem - um golzinho mil, ano 93. Não tem como correr muito, não é? O jeito é dar passagem. E a vovó é consciente e solidária. Mas nem todo mundo é igual a ela.

            E lá ia o fusca se arrastando pelo asfalto, como se a estrada fosse dele.

            O motoqueiro tentava ir, mas vinha carros de lá para cá e não dava para ultrapassar.

            A gente não podia ouvir nada, mas imaginei os palavrões que o motoqueiro devia estar xingando.

            Vários carros possantes foram formando uma fila quilométrica atrás do fusca e ele nada. Só na dele!

            Certamente os xingamentos se triplicaram, né?

            E lá vai o fusca, como se o mundo lhe pertencesse.

            Eu me perguntava por que ele não saía de cima da faixa amarela do centro?

            Muito sinistro!

            Os carros não podiam ultrapassar mesmo no aperto, porque a estrada é sinuosa e os precipícios não têm fim. Lembram que agora moramos nas montanhas? Pois é!

            E a fila crescia cada vez mais.

            Todos passavam por nós, mas pelo fusca, nem pensar!

            De repente, para a sorte de todos (menos do fusca), surgiu um carro da polícia rodoviária federal.

            O motorista do fusca, com certeza, viu a polícia chegando, porque num piscar de olhos jogou o carro para o acostamento, saltou como um corisco e se embrenhou na mata. Para sua sorte não tem precipício do lado direito de quem vai... Enfim... Para o lado que nós estávamos indo.

            Todos os carros foram parando no acostamento, dando passagem para a polícia e também para assistirem ao desfecho da situação, é claro!

            Confesso que eu já começava a sentir pena daquele motorista esquisito.

            Vovó também parou. Ela é bem centrada, equilibrada, mas... curiosa também, como todo mundo.

            O carro da polícia encostou atrás do fusca, os guardas saltaram e três entraram no mato, atrás do infeliz motorista, e apenas o que dirigia ficou aguardando na expectativa.

            Todas as pessoas saltaram dos carros também para assistirem de perto o infortúnio do pobre motorista do fusca branco.

            Aí pensei no sadismo dos seres que se dizem humanos e fiquei um pouco triste. Só não fiquei totalmente triste, porque eu também estava ali.

            Não tive dúvidas de que ele estava perdido. Não na mata, mas na vida! O que seria do pobre coitado quando fosse pego? Seria preso? Seu carro seria apreendido? Pagaria multa?...

            Como sou muito piedosa, aquela situação me cortou o coração!

            Ouvíamos gritos ecoando na magnífica floresta tão verdinha.

            O silêncio dos espectadores (nós todos) era nojento. Quanta maldade!

            Mas eu juro, gente!... Eu e minha avó estávamos ali para torcer por ele e não para ver sua desgraça.

            Não acreditaram?... Tudo bem. Reconheço que é difícil mesmo.

            A espera durou exatamente dez minutos e 31 segundos. Eu marquei no relógio do meu celular.

            Vimos os guardas trazendo o homem cabisbaixo. Quase chorei ao ver aquela cena humilhante.

            Chegaram ao acostamento e o homem pediu num fio de voz:

            - Podem me soltar? Eu não vou fugir mais.

            E nem se ele quisesse, conseguiria, né? Coitado!

            Os guardas o soltaram e o que ficou esperando no carro perguntou com voz firme e autoritária:

            - Por que fez isso? Por que dirigia atrapalhando a passagem dos outros e o que é pior, sobre a faixa central? Por que fugiu para a mata em vez de enfrentar o seu erro? Por que....

            - Calma, seu guarda!... Uma pergunta de cada vez, por favor! – Pediu de novo o motorista infrator, agora aborrecido.

            - Então responda primeiro por que dirigia em cima da faixa do centro?

            Achei até que o guarda tinha adivinhado os meus desejos, pois era exatamente isso que eu mais queria saber.

            O homem não respondeu imediatamente, apenas chegou o rosto bem pertinho do rosto do guarda e mostrou, se sentindo uma pobre vítima:

            - Está vendo isso, seu guarda? – Disse ele colocando o dedo indicador bem perto o olho direito.

            - Seu estrabismo? É isso que quer me mostrar?

            - Claro!... Eu só enxergo direito do lado esquerdo. Por isso preciso dirigir seguindo a faixa do centro, senão eu me perco e saio da minha reta. – Quase gritou o homem, sentindo-se humilhado diante de toda aquela gente (nós).

            Naquele momento quase morri de vergonha. E minha avó também, coitada!

            Ficar ali assistindo a humilhação daquele senhor era muito triste e feio demais.

            Mas já tínhamos cometido o erro mesmo, não tinha mais jeito de consertar. Então continuamos ali vendo e ouvindo tudo. Essa foi a desculpa esfarrapada que passou pelo minha cabeça.

            O guarda ficou sem ação diante da situação, com certeza nova para ele, mas logo reagiu.

            - Não creio que isso seja motivo para tanto, mas...

            - Como não é motivo para tanto?!... – Gritou a vítima possessa. – O senhor já experimentou virar seu olho para saber se consegue ver direito?

            - Mas se não consegue ver direito, não pode dirigir! – Gritou outro guarda, todo nervosinho.

            Aquela discussão estava tomando um rumo patético e até meio infantil. Foi o que pensei.

            Um dos quatro guardas, com ar de cansado, dirigiu-se às pessoas, ali presentes (nós, né?) e ordenou de cara feia, balançando o braço no ar:

            - Viajando, pessoal, viajando!... A polícia vai resolver isso!

            Todo mundo foi entrando em seus devidos carros e saindo de fininho, morrendo de vontade de saber o desfecho do caso. Mas eu não consegui resistir e perguntei baixinho para um dos guardas, o que me pareceu menos bravo:

            - Seu guarda, o que vai acontecer com ele?

            - Nada. Não vai acontecer nada. Apenas vai ser aconselhado a não dirigir mais, só isto. - Respondeu secamente.

            E ele achou que seria pouco para aquele pobre homem não poder mais dirigir seu amigo fusquinha branco! Que injusto, credo!

            Bem, nós não podíamos mais ficar ali e seguimos nosso caminho.

            Até hoje fico lembrando daquilo e sinto o coração apertado ao pensar na expressão de desespero e angústia daquele homem vesgo, ou melhor, eu acho que estrábico é mais respeitoso.

            E já que ele não vai mais poder dirigir, torço para que tenha em seu círculo de amizades, alguém bem legal que aceite ser seu motorista para sempre. Não posso fazer mais nada por ele, além de torcer.      

Não é de cortar o coração, gente? Fala a verdade?    FIM

 

Outro episódio do livro Luara e suas histórias malukets: 

          QUE CIDADE É ESSA, GENTE?  

            A história que vou contar agora, vocês nem vão querer acreditar. 

            As pessoas que viajam muito, dizem que por este Brasil a fora existe muita coisa bizarra. E eu acredito porque eu também, sem nem viajar tanto e para tão longe, conheci uma cidade totalmente bizarra. 

            Eu nem estava de férias para ir até essa tal cidade. Foi só um fim de semana. 

            Para começar, o nome da cidade é “Jaqueiro Azul”. 

            Gente, não existe jaqueiro. Um pé de jaca se chama jaqueira, e não é azul e sim verde. 

            Vai entender uma coisa dessas!... Que gente maluca, não? 

            Fiquei imaginando um compositor (se é que tem algum ali) fazendo uma homenagem à sua querida cidade: 

            “Meu pequeno Jaqueiro Azul... Vivo só pensando em ti!” 

             Muito doido, não? 

            Eu até perguntei a algumas pessoas de lá, o motivo do nome e quem o criou, mas ninguém soube explicar. Pelo menos as pessoas a quem recorri não sabiam de nada a respeito. 

            Bem, vamos voltar ao começo de tudo. 

            Eu, minha família e alguns dos muitos amigos que, graças a Deus eu tenho, chegamos sábado bem cedinho e voltamos domingo bem tardão. Portando passamos dois longos dias lá. 

            Logo que saltei do carro, a primeira coisa que fiz, depois de ler o nome da cidade numa grande placa de madeira rústica, foi procurar por escolas. Achei que não tinha escolas naquela cidade. Mas tinha e muitas, até! 

            Se lá tinha... (ops, um cacófato!). Já que o segredo é corrigir, então vamos corrigir! 

            Se naquela cidade tinha escolas, como explicar o seu nome tão doido? Por que não corrigiam, pelo menos? Poderiam mudar para “Jaqueira Verde”. 

            Tão simples não é mesmo, galera? 

            Mas isso não é da minha conta, na verdade. Então vamos continuar com o que é da minha conta: a história que vou contar.    

    Em Jaquei... quero dizer... Na cidade chamada... Enfim, em Jaqueiro Azul não é só o nome da cidade que é maluco, não, gente! Tudo lá é muito estranho. 

 

            Para vocês terem uma ideia, conhecemos uma senhora quase centenária que atende pelo nome de Esfinge da Costa Sul. 

            Tenho certeza que vocês não estão acreditando numa só palavra do que digo, mas é a mais pura verdade, galera! Eu juro! 

            Tem também um senhor muito simpático e muito agradável que foi estupidamente batizado com o nome Neres Néscio da Silva. 

            Gente!... Vocês sabem o que significam as palavras neres e néscio? Aposto que vocês não sabem, assim como eu não sabia. 

            Achei tão bizarro que resolvi cutucar o Google na tentativa de descobrir alguma coisa. E descobri mesmo, gente! Descobri que Neres quer dizer “coisa alguma, nada”. E Néscio é nada mais nada menos que “ignorante, que não sabe, estúpido, incapaz”. 

            Coitado do seu Neres Néscio! Olhei para aquela carinha meiga e simples, e meu coração se partiu ao meio. Tive que desviar os meus olhos dos olhos dele. Era demais para a minha emoção. 

            Mas depois eu lembrei que “o que os olhos não veem o coração não sente” e como eu acredito que ele e o resto dos moradores daquela pacata cidadezinha nunca se preocuparam em consultar o sábio Google para saber significados de palavras, fiquei mais tranquila. Com certeza ninguém nem imagina que aquele bondoso senhor se chama... digamos, Nada Estúpido da Silva. 

            Bem, Nada Estúpido já é alguma coisa! Aí fiquei mais aliviada. Vai ver os pais dele são mais espertos do que imagino. 

            Mas as “bizarrices”, não ficaram só nisso, não! 

            Fingimos esquecer todas aquelas maluquices e fomos conhecer a cidade, independente do nome que lhe deram. 

            Fomos passear lá porque nos disseram que tinha muita coisa linda para se ver, como cachoeiras, grutas, trilhas nas matas e muitas outras coisas interessantes. 

            Depois é que fomos saber o que quiseram dizer com “muitas outras coisas interessantes”. 

            As cachoeiras são realmente magníficas. As grutas deixaram a galera muda de emoção. E as trilhas que levam para o interior da floresta poderiam ser perfeitamente normais se não fosse pelo cartaz com um aviso estranho ao nosso inocente entendimento. 

            Tínhamos andado uns duzentos metros mata adentro quando deparamos com o tal cartaz, que dizia: 

            “CUIDADO COM AS NINFAS  

            Não entendemos nada, é claro! 

            Quem seriam as tais ninfas? Eu sei o é ninfa, gente!... São divindades mitológicas dos rios, bosques e montes... Mas ali?!... E verdadeiras?!... 

            Não nos restava mais nada, além de continuarmos a caminhada agradável, pois não víamos nenhuma ninfa naquele lugar. Era um lugar comum, normal aos nossos olhos. 

            E que lugar gostoso, fresquinho, tranquilo, agradável... 

            Certamente os moradores é que eram completamente loucos. 

            Gente, quando tudo parecia um mar de rosas, algo terrível aconteceu. 

            Imaginem que num galho baixo de uma árvore, bem sobre a trilha, tinha um imenso vespeiro. O doido de um dos meus amigos, que nem vou dizer o nome para não comprometê-lo, quebrou o galho de um arbusto e com ele cutucou o vespeiro. 

            Galera!... Era vespa zunindo para todo lado e gente correndo para onde podia. 

            No final de alguns minutos, conseguimos sair de dentro daquela floresta que parecia tão tranquila e inofensiva. 

            Tinha gente de cara inchada, orelha vermelha e mais um monte de problema. 

            Os feridos choravam e gemiam e os outros riam às gargalhadas. 

            Eu até que tive um pouco de sorte, porque só me pegaram na ponta do dedo médio da mão esquerda. Ele ficou muito vermelho e inchado e... nada bonito. 

            Ainda bem que quando isso aconteceu já era domingo à tarde, quase na hora de voltarmos para casa. 

            Quando contamos para algumas pessoas o que aconteceu, fizeram um estardalhaço danado e um senhor perguntou admiradíssimo: 

            - Vocês não leram o cartaz avisando sobre as ninfas, não?  Alguém mexeu com elas? São muito perigosas, não sabem disso? 

            Nada dissemos. Estávamos mudos diante da descoberta. Só nos restava ir embora daquela cidade maluca, onde viviam pessoas malucas e onde tudo era bizarro.     FIM

 

Mais um texto do mesmo livro para vocês! 

           COMO AS APARÊNCIAS ENGANAM!       

             Para provar que realmente as aparências enganam, tenho esta história da egoísta e preconceituosa dona Gilda, uma vizinha nossa. E faço questão de acrescentar que ela é bastante antipática também. 

            Quem me contou foi a Lurdes, a própria cozinheira dela e vítima dos seus grandes e terríveis defeitos. Dona Gilda desconfiava da pobre jovem, só porque ela tem cara de bandida. Mas é só a cara mesmo, gente! Na verdade, ela é honestíssima. 

            Como sou muito criativa, contarei como se fosse uma história inventada por mim. Aposto que vocês vão gostar. Lá vai... 

            - Nadine, o que está fazendo, filha?!... 

            - Ôoo, mãaaaeee!... 

            - Estou falando sério, Nadine! 

            - Mas... Mãaaeee, eu só... 

            - A verdade, Nadine, só a verdade! 

            - Eu só estou brincando de princesa com as suas coisas!... 

            - Eu já disse para você não mexer nas minhas joias. 

            - Mas... Mãaaaeee, eu só... 

            - Está bem!... Mas não brinque com as joias, só as bijuterias. 

            - Tá bom, só as bijuterias! 

            A pequena Nadine tinha 6 anos e era muito bonitinha, mas distraída que nem a mãe. E ao devolver as joias verdadeiras para o baú, não percebeu que um anel caiu na cama. 

            A mãe saiu para o trabalho às pressas, pois já estava atrasada, e deixou-a brincando no quarto, enquanto a estranha e silenciosa Lurdes cuidava dos afazeres na cozinha. Era a cozinheira da casa há 2 anos. 

            Nadine se enfeitava toda com os colares, brincos, pulseiras e anéis. Só as bijuterias como havia prometido à mãe. Dona Gilda, mãe de Nadine, acabou esquecendo o cofre aberto e não guardou as preciosas joias.

             A paz reinava naquele momento na casa da pequena Nadine. 

            No meio da brincadeira, uma amiguinha chegou e as duas ficaram brincando de princesas. Nadine adorou a chegada da outra, pois brincar sozinha ela achava um tédio. 

            - Carlinha, eu sou a princesa e você a minha escrava. – Decidiu autoritária como sempre. 

            - Mas Nadine, eu também quero ser uma princesa! – Respondeu inconformada a outra que tinha 5 anos. 

            - Carlinha, eu sou mais velha e a dona da casa e das joias! – Insistiu Nadine. 

            - Está bem. Mas quando a gente brincar na minha casa, eu serei a princesa. 

            - Claro!... 

            E continuaram a brincar tranquilamente. 

            Carlinha viu o anel de verdade da mãe de Nadine em cima da cama e pediu à amiguinha: 

            - Nadine, eu posso pegar o anel da sua mãe só pra ver bem de pertinho? 

            - Pode, mas cuidado! 

            A inocente menininha enfiou a enorme joia no dedo e ficou admirando. 

            Voltou a atenção para a brincadeira e esqueceu o anel no dedo. 

            Em dado momento, pensou nas bijuterias da própria mãe e resolveu ir buscar, pois não se conformava em não ser uma princesa também. 

            - Vou lá em casa pegar as joias da mamãe. 

            - Então eu vou com você. 

            E as duas saíram correndo. Mas quando chegaram na varanda, Carlinha lembrou do anel e tirando-o do dedo, colocou-o sobre o murinho da varanda. Como Nadine saiu na frente, não viu a outra deixando a preciosíssima joia ali, bem pertinho da rua. 

            Lurdes continuou na cozinha preparando o almoço em silêncio e nada viu. 

            As meninas voltaram algum tempo depois e continuaram a brincadeira, agora com duas princesas e nenhuma escrava. Coisas de crianças! 

            Só que Carlinha nem lembrava mais do anel e muito menos Nadine. 

            Quando a mãe de Nadine chegou para almoçar, a garotinha já estava pronta para a escola e a amiguinha já tinha ido embora. 

            - Vamos almoçar, querida? – Convidou a mãe, feliz porque tinha se saído bem no trabalho. 

            As duas sentaram-se à mesa e começaram a comer em silêncio, depois de fazerem uma oração. 

            - Querida, você guardou as bijuterias? 

            - Ah, mãe, esqueci! Depois do almoço eu guardo. 

            Dona Gilda não ficou satisfeita, mas não disse nada. Discussão na hora do almoço, nem pensar. 

            Terminaram e finalmente falou: 

            - Filha, eu não gostei do que fez. Ou melhor, do que não fez. Por que não guardou logo tudo quando terminou de brincar? 

            - É que a Carlinha veio brincar comigo e ficamos conversando e eu esqueci. 

            - Se continuar fazendo assim, não vou mais deixar vocês brincarem com as minhas coisas. Venha, vamos guardar juntas. 

            Foram para o quarto e dona Gilda ficou aborrecida com a bagunça que encontrou. Nem lembrava mais que havia esquecido o cofre aberto. 

            - Quem abriu o cofre, Nadine? 

            - Mãe!... Você deixou aberto. 

            - Não pegou as joias de verdade... Ou pegou? 

            - Claro que não, mãe! Eu não prometi? 

            - Vou verificar se está tudo em ordem com as joias. – E pegou o estojo prata. 

            Nadine estava tranquila, pois realmente não havia mexido em nada e nem lembrava mais que Carlinha havia colocado o anel no dedo. 

            Dona Gilda abriu o bauzinho prateado e deu uma olhadela rápida. Mas foi o suficiente para perceber a falta de um anel de brilhantes que ganhara do pai de Nadine quando casaram. 

            O casamento acabou, mas o presente ficou. Representava um futuro seguro para Nadine. 

             O anel era de ouro branco, cravejado de pequeninos brilhantes. Uma joia delicadíssima. Era uma lembrança valiosa em todos os sentidos. Guardava para proporcionar um futuro melhor para a filha, quando crescesse mais e entrasse numa faculdade. Algumas joias eram as únicas coisas de valor que o pai da menina deixou, quando foi embora. Dona Gilda nunca soube se deixou por peso na consciência ou por esquecimento. 

            Ficou paralisada olhando para dentro do porta-joias. 

            De repente pegou-o e despejou tudo sobre a cama. Realmente o anel não estava ali. 

            Dona Gilda ficou pálida e quase desmaiou. 

            - O que aconteceu, mãe? Você está branca!... 

            - O meu anel de brilhantes, Nadine! 

            - Ele está aí, mãe. Eu não peguei, não! 

            - Nadine, a verdade! Diga a verdade! 

            - Estou dizendo a verdade, mãe! Eu não peguei nada. Nem peguei o porta-joias, juro! 

            - Como posso ter certeza de que está dizendo a verdade? Como posso saber se realmente me obedeceu? – A mulher agora estava muito vermelha. 

            - Acreditando em mim, mamãe! Não peguei nenhuma joia, de verdade! 

            - Oh, Meu Deus!... E agora, o que vou fazer?... Luuuurrrrdes! – Gritou desesperada. Aquele anel valia uma fortuna. 

            A moça chegou correndo no quarto, assustada com o grito da patroa. 

            - O que aconteceu, dona Gilda? 

            - O meu anel de brilhantes desapareceu, Lurdes! Cadê ele, criatura?!... 

            - Não sei, dona Gilda! Eu não saí da cozinha. 

            - Vou à delegacia de polícia registrar queixa agora! – Disse decidida. – Nadine não vai para a escola hoje e você não saia daqui, Lurdes. 

            Ia saindo, mas pensou que se a culpada fosse a empregada, certamente aproveitaria para fugir e decidiu não ir. Voltou confusa e se jogou no sofá. Olhou para Lurdes que estava chorando, enquanto Nadine consolava-a com um forte abraço. 

            - Por que está chorando? Tenho o direito de desconfiar! E se não tinha mais ninguém aqui, só pode ter sido você. Devolva o meu anel agora! 

            - Mas não fui eu, dona Gilda... Não sou ladrona. 

            - É ladra! – Corrigiu a mulher, muito nervosa. 

            - Não, não sou ladra! – E a moça caiu num pranto de dar dó. 

            - Então a culpada é você, Nadine! Foi você que perdeu o anel, só pode! 

            - Mãe, a Carlinha estava aqui comigo brincando e ... 

            - É isso!... Foi a Carlinha! 

            - Mas, mãe... Não foi a Carlinha! 

            - Não sei quem, mas alguém foi! – Dona Gilda estava completamente fora de controle. 

            A jovem Lurdes tremia, com o corpo todo gelado. 

            A pequena Nadine estava assustada. Nunca tinha visto a mãe tão brava. E aí mesmo é que esqueceu completamente que a Carlinha pegou o anel. 

            O tio de Nadine chegou por acaso e ficou sabendo do ocorrido. 

            - Daniel, foi a Lurdes, tenho certeza! 

            - Como pode ter tanta certeza se você nem estava aqui, minha irmã? 

            - Não tem outra explicação. Só pode ter sido ela. Olhe como está apavorada. Está com medo de ser presa, não está vendo? Vai ver já está até acostumada!... Com essa cara!... 

            - Bem... Vou sondar lá na rua. Talvez algum vizinho tenha visto alguém suspeito. 

            - Daniel, você vai perder o seu tempo. E se tiver algum suspeito, certamente é um cúmplice dela. 

            O rapaz não lhe deu ouvidos e saiu. 

            - Tenha piedade, dona Gilda! Acredite em mim! Não fui eu... 

            - Fique calada! Depois veremos. E não saia daqui, senão mando a polícia atrás de você. – Deu a ordem e saiu atrás do irmão. 

            O rapaz perguntou à vizinha do lado: 

            - Dona Maria, a senhora viu algum estranho entrar na casa da Gilda? 

            - Gente não, mas um cachorro sim. Eu vi quando ele entrou na varanda e saiu em seguida. E tinha alguma coisa que brilhava no sol, presa na boca. Era marrom claro e estava muito sujo. Parecia um vira-lata. 

            - Meu Deus, era o meu anel! – Gritou a desequilibrada mulher. 

            - E você acusando a pobre Lurdes, que vergonha! – Repreendeu o irmão. 

            - Ainda não sabemos se foi o cachorro mesmo. – Defendeu-se. 

            - Chega de conversa e vamos procurar o tal cachorro, antes que seja muito tarde. 

            Percorreram ruas, ruelas e becos sem saídas. 

            Já estavam cansados de procurar e já pensavam em desistir, quando Daniel viu, saindo de uma rua, um cachorro com a descrição que a vizinha deu. 

            - Olhe lá!... Deve ser aquele, Gilda! Vamos pegá-lo! 

            Correram como loucos e o cachorro assustado corria mais ainda. 

            - Peguem esse cão!... – Gritava a mãe de Nadine para as pessoas que passavam na rua. 

            O cachorro tropeçou numa lixeira e caiu bem em cima de uma grade de esgoto. 

            Daniel se jogou sobre o animal e agarrou-o com força.

             Dona Gilda abriu a boca do coitado, quase quebrando os maxilares do pobre animal. Ficou decepcionada, pois nada tinha naquela boca. 

            - Será que ele engoliu o anel ou deixou cair? Ai, Meu Deus! – Gritou desesperada. 

            Um menino que estava sentado na calçada, disse calmamente: 

            - Caiu alguma coisa brilhosa da boca dele, dentro do esgoto. 

            - Nãaaaao! Não posso acreditar! – Gritou novamente a mulher, sentindo o futuro da filha comprometido. 

            - Pode acreditar sim, dona. Caiu aí dentro. Eu vi. 

            - Daniel, nós temos de pegar o anel! 

            - Vou tirar a grade para facilitar. 

            A grade de ferro era pesada e o rapaz precisou pedir ajuda a mais dois homens que passavam naquele momento. 

            Ele e a irmã olharam para o buraco e bem lá no fundo sobre uma pedra, bem pertinho da água nojenta do esgoto, estava o anel reluzindo em contraste com o local.

            - Lá está a minha fortuna, Daniel! Como vamos pegar? 

            - Cale-se, mulher! Quer atrair ladrões? – Sussurrou o rapaz. 

            - Fortuna? Alguém disse fortuna? Isso muito me interessa. – Disse um homem maltrapilho sorrindo de prazer. 

            - Saia já daqui, moço! – Ordenou dona Gilda, empurrando o homem. 

            - Ei, qual é a sua, mulher?!... Pare de empurrar. Se vocês podem pegar, por que eu não posso? 

            - Socorro!... Polícia!... – Gritou a mulher. 

            O mendigo, que morria de medo da polícia, saiu correndo. 

            Dona Gilda, mais aliviada, pediu ao irmão: 

            - Daniel, pegue uma vara de anzol na sua casa. Corre! 

            O rapaz saiu correndo pela rua e quase foi atropelado por uma moto. 

            - Quer morrer, desgraçado? – Gritou o motoqueiro possesso. 

            Dona Gilda ficou ali sentada no chão vigiando o anel. Alguém passou distraído e jogou uma moeda para ela. 

            Daniel demorou tanto que quando chegou, a irmã já tinha uns 50,00 em moedas. 

            - Por que demorou tanto? 

            - Quero essas moedas aí. Estou trabalhando para você, não é? 

            - Ah!... Eu mereço!... – Bufou a mulher cheia de ódio da situação em que se encontrava. 

            Daniel jogou o anzol e foi arrastando em direção ao anel com cuidado para não derrubá-lo e perdê-lo para sempre. 

            O anzol tocou a joia e o rapaz foi puxando devagar. Parecia que já tinha enganchado, mas acabou derrubando o anel numa outra pedra mais abaixo e bem próxima da água imunda. 

            O coração de dona Gilda disparou de um jeito que até pensou que teria um ataque cardíaco. Ela, o irmão e mais um amontoado de curiosos, olhavam tensos para o brilho do maravilhoso anel lá embaixo. 

            Daniel se concentrou o máximo que pôde e começou a arrastar o anzol em direção ao anel novamente. Esperava ter mais sorte desta vez. 

            Todos ficaram sem respirar, só observando com atenção. 

            Finalmente o anzol enganchou o anel e Daniel respirou aliviado. Lentamente foi puxando para cima. 

            A galera delirou!... Os aplausos foram tantos, que até parecia um show da Ivete Sangalo. 

            Subiu o anzol e levou em direção à irmã, dona do anel, para que ela própria o pegasse. Mas quando dona Gilda levou a mão, outra mão enorme chegou antes. E agarrando a cobiçada joia, o larápio saiu correndo. 

            - Largue!... É meu!... Ladrão!... Polícia!... Socorro!... – Gritava dona Gilda. 

            Toda a multidão correu gritando atrás do espertalhão. 

            - Pega ladrão!... 

            E foi um tremendo fuzuê. 

            Até que alguém se jogou nas pernas do sujeito e este caiu, deixando o anel escapar. 

            A joia rodopiou no chão, brilhando de encontro aos raios do sol e outra pessoa o pegou com firmeza. Era um rapaz com cara de safado, que logo anunciou: 

            - Agora é meu, ninguém tasca! – E saiu correndo. 

            A pequena multidão correu atrás. 

            A pobre Gilda não sabia se todos estavam correndo na tentativa de ajudá-la a recuperar a joia ou para roubá-la do ladrão, acreditando no velho ditado popular que garante que ladrão que rouba ladrão tem 100 anos de perdão”. Afinal, seriam capazes de jurar que eram pessoas honestas. 

            A correria pela rua foi uma loucura. 

            Houve um buzinaço ensurdecedor, muitas freadas bruscas e palavrões horríveis. 

            Um policial chegou e alguns tiros para o alto foram dados, para intimidar. E intimidaram mesmo. A turba parou de supetão e ficou paralisada como estátua, olhando para o policial. 

            O ladrão, fazendo cara de bonzinho, dirigiu-se à autoridade e entregou o anel, dizendo inocente: 

            - Seu guarda, aqui está o anel. Consegui pegar daquele ladrão sacana. 

            O soldado pegou o anel e o olhou com olhos brilhantes de cobiça.

             - De quem é o anel? – Perguntou à multidão. 

            - Meu! – Gritou dona Gilda sorrindo. 

            Mas seu sorriso morreu em dois tempos, pois toda a multidão também gritou: 

            - Meu! 

            Até provar que era dela, ia demorar bastante, com certeza. 

            Daniel se adiantou e falou com firmeza, segurando o braço da trêmula e verdadeira dona da preciosa joia: 

            - O anel é da minha irmã Gilda, esta senhora aqui. 

            - Pode provar? – Perguntou o policial. 

            - Posso! – Respondeu ela mesma. 

            - Como? 

            - Apresentando a nota fiscal. – Respondeu sem ter certeza de que ainda teria o documento, pois ganhara aquele magnífico presente há mais de 10 anos. 

            - Então, vamos à sua casa pegar o documento. – Disse o soldado. 

            - Gilda, você ainda tem a nota fiscal dele? – Sussurrou Daniel no ouvido dela. 

            - Sei lá! Vou procurar, né? Se não encontrar, estou perdida! – Soprou ela, angustiada. 

            E lá foram eles rumo à casa da verdadeira dona do anel, seguidos pela galera popular. 

            O soldado parou, olhou para trás e ordenou: 

            - Todos para suas casas! Debandar, debandar!... 

            - Mas o anel é meu!... – Gritaram. 

            E os três caminhavam silenciosos pela rua, com passos firmes, seguidos pela insistente multidão. 

            Dona Gilda ia tentando lembrar onde poderia estar guardada a bendita nota fiscal do bendito anel de brilhantes. 

            Chegaram, entraram em casa e lá estava a pobre Lurdes sentada no sofá da sala chorando com o rosto entre as mãos. E ao seu lado a pequena Nadine continuava consolando-a, carinhosamente.

             - Por que a moça está chorando? – Indagou o soldado. 

            - Be-bem... é que-que... ela... – Gaguejou dona Gilda, sem saber o que dizer. 

            - Porque a minha mãe acusou ela de roubar o anel, seu guarda! – Respondeu Nadine de cara feia. 

            - A senhora acusou a moça de roubar este anel? – Perguntou mostrando o anel que estava com ele. 

            - Eu não sabia o que pensar... e... bem... alguém tinha de ser o ladrão, e... 

            - Sabe que poderá ser processada por calúnia e danos morais? – Questionou o militar com ar de entendido. 

            - Sei, sim, senhor... e peço mil desculpas a você Lurdes. Peço-lhe que me entenda... Eu estava muito nervosa e... desesperada e... 

            - Tudo bem, dona Gilda. Eu entendo, mas peço minha demissão. Não posso continuar aqui depois de tudo.

            - Oh, não, minha querida! Não se vá! Nadine gosta tanto de você e... eu realmente confio em você e... 

            - É verdade, Lurdes. Fique, por favor! – Pediu a pequena Nadine. 

            A esperta dona Gilda tentava distrair o soldado para que ele esquecesse o documento da joia. Mas não adiantou. 

            - Senhora, depois vocês resolvem isso. Agora quero a nota fiscal do anel. 

            - Ah, sim!... Vou pegar. – E foi para o quarto. 

            Procurou nas caixas de documentos e nada. 

            Lembrou do cofre e lá estava o maravilhoso documento que o próprio ex-marido tinha guardado. 

            Pegou o precioso papel, que naquele momento valia tanto quanto o anel, e levou para mostrar ao soldado. 

            O policial olhou, leu, releu e deu-se por satisfeito. 

            - Senhora, eu sugiro que guarde esta joia num cofre bancário. É mais seguro. 

            - Obrigada. Seguirei seu conselho. 

            O soldado entregou o anel com o coracão apertado e saiu da casa gritando para a galera que esperava em silêncio, na varanda. 

            - Todo mundo para suas casas! Debandar, debandar! 

            Dona Gilda, aliviada por recuperar o anel e envergonhada por acusar uma inocente, sorriu sem graça para Lurdes e pediu humildemente (pelo menos parecia): 

            - Lurdes, perdoe-me. Nunca mais acusarei ninguém sem antes ter provas concretas, juro. E jamais desconfiarei de alguém com aparência suspeita. 

            - Como assim, dona Gilda? O que quer dizer com isso?... 

            - Nada, Lurdes, esquece!... Ah, Meu Deus, que confusão!... 

            Como Lurdes era uma pessoa meio inocente, muito boa e sensível, esqueceu e até perdoou a patroa e continuou trabalhando para ela. Principalmente porque amava a pequena Nadine e não queria ficar longe dela. 

            E toda vez que dona Gilda olhava para a moça, sentia um grande constrangimento por ter sido tão injusta. E sempre pensava indignada: 

             - Como as aparências enganam! 

 

            *Estão vendo a importância de não julgar os outros antes de ter provas concretas, amigos leitores? Pensem nisto e jamais serão injustos com os seus semelhantes! É o que procuro fazer agora. É difícil, mas com um pouco de sacrifício a gente consegue.

              FIM        

 

Vamos a mais um episódio do mesmo livro?   

            BALAIAGEM GRATUITA 

            Não podia esquecer de contar o que aconteceu com a pobre Claudinha, minha grande amiga. Um pouco mais velha do que eu... Na verdade, bem mais velha do que eu, mas minha grande amiga. 

            Ela queria muito embelezar os cabelos, mas não sabia exatamente o que fazer. Até que uma companheira de viagem fez a proposta irrecusável: fazer uma balaiagem gratuita. 

            As duas viajavam juntas todas as tardes para uma cidade vizinha. Cláudia porque fazia um curso de culinária e a outra de cabeleireiro.

             Cláudia não podia deixar passar uma oportunidade imperdível como aquela e aceitou. 

            Bem, Joaninha, a aprendiz de cabeleireira, explicou que só teria de ir ao salão onde acontecia o curso e receber gratuitamente a maravilhosa balaiagem. 

            Acho que qualquer jovem com um mínimo de vaidade e um pouquinho de senso econômico, aceitaria sem hesitar. E foi o que fez a bela Cláudia, feliz da vida. 

            Quando sentou em frente ao grande espelho do salão, “por uma razão que a própria razão desconhece”, não se sentiu nada bem. Mas não era a única assustada. Havia ali uma boa quantidade de inocentes “convidadas”, para não dizer cobaias, pois não é uma palavra muito agradável. 

            Os alunos do curso iriam submeter-se a uma avaliação final e precisavam de “voluntárias”, e Claudinha era uma delas. 

            Logo Joaninha, sua companheira de viagens, chegou e começou a pentear sem nenhum cuidado, de maneira bem desajeitada, os lindos e longos cabelos castanhos claros da apreensiva Cláudia. 

            Ao lavá-los quase deixou a mocinha careca. 

            Bem, finalmente começou a balaiagem propriamente dita. 

            Para quem não sabe, balaiagem são mechas douradas ou cor de cobre que, se bem aplicadas, dão aos cabelos um efeito maravilhoso e elegante. Era o resultado que Cláudia esperava ou que desejava ardentemente àquela altura dos acontecimentos e das suas apreensões.

             A cada passo do processo de tintura, Joaninha pedia socorro à colega do lado. 

            A inquietação de Cláudia ia aumentando, mas aguentou firme o quanto pôde. Até que não deu mais para segurar a onda e resolveu dar um toque. Sussurrou para a amiga: 

            - Joaninha, eu acho que você deveria primeiro... 

            - Cláudia, - cortou a outra ao pé do ouvido – você não pode reclamar nem dar palpites, senão o professor bronqueia e me dá nota baixa!... Psssiiu!... 

            Sendo assim, Claudinha fechou os olhos e conformada com sua triste decisão de se embelezar de graça, pensou: 

            - Seja o que Deus quiser! 

            A todo minuto a aprendiz de cabeleireira recorria aflita à colega do lado, com olhares desesperados de pedidos de socorro. 

            Nem sei se digo: - Pobre Claudinha! Ou  - Pobre Joaninha! 

            E para multiplicar a aflição de Joaninha, ou melhor, das duas, elas deveriam estar na rodoviária pontualmente no horário de sempre, pois era o último ônibus para casa, na outra cidade. 

            - Cláudia, falta muito ainda para o horário do ônibus? – Perguntou ansiosa e apavorada Joaninha, a moça que tinha voz estridente.

            - Não, só temos vinte minutos. – Respondeu a outra, depois de consultar o delicado relógio de pulso. 

            - Ai, Meu Deus, e agora?!... – E mais uma vez solicitou ajuda à colega do lado, tão nervosa quanto ela. 

            Finalmente depois de muitos puxões de cabelo para cima, para baixo, para os lados; depois de muitos pedidos de socorro à colega ao lado; depois de muita pressa por causa do horário da viagem, estava pronta a tão sonhada balaiagem. Cláudia já podia abrir os olhos. “Podia” não era bem o termo, mas não havia outro jeito. Precisava encarar a realidade nua e crua. Respirou fundo e bem devagar, apesar da pressa, foi abrindo os olhos um de cada vez, e à medida que ia vendo o resultado final, em cada ponto dos lindos cabelos castanhos claros, precisava apertá-los (os olhos) com força para que não abrissem desmesuradamente e acabasse assim prejudicando a companheira de viagens, comprometendo sua avaliação.

            - Joaninha, não vai secar? – Perguntou desanimada a pobre vítima. 

            - Não, Claudinha, não dá tempo! Se eu for secar também, vamos perder o último ônibus, lembra? – Justificou-se quase chorando. 

            - Tudo bem, amiga, não se preocupe, está ótimo assim... Ótimo! – Consolou, enquanto se olhava desconsolada no grande espelho à sua frente. – Que decepção!... – Pensou com tristeza. 

            Enfim, tudo pronto (ou quase tudo), agradeceu e recebeu agradecimentos. 

            Saíram, ela e Joaninha, correndo como loucas para a rodoviária, pois já estava em cima da hora. Cláudia, com os cabelos molhados e despenteados e Joaninha envergonhada. 

            Entraram no ônibus e Cláudia procurou disfarçadamente esconder os exagerados tufos vermelhos nas têmporas, com um “arquinho salva pátria” que, por pura sorte, estava na bolsa.

             Já em casa, teve de passar pela prova realmente final: as gozações da galera. 

            Na verdade, não era ela que deveria passar por provas finais, naquele caso. 

            Mais calma e refeita da decepção, só teve uma decisão a tomar: tingir os belos cabelos por inteiro com uma cor mais escura para cobrir os erros irremediáveis da pobre e inexperiente aprendiz de cabeleireira. 

            Bem, nunca se soube, por uma questão de discrição e ética, qual foi a avaliação de Joaninha naquele dia fatídico de “Balaiagem Gratuita”.

FIM

 

 

Se já leu o 1º episódio do Livro: "LUARA E SUAS HISTÓRIAS MALUKETS", aqui está mais um para o seu deleite:  

            FRUTAS ROLANDO 

            Isso aconteceu com a minha tia quando tinha 18 anos e entrou para a faculdade. 

            A tia do episódio anterior. A mãe da pequena Bárbara, lembram? 

            Ela era uma garota esbelta de pele alva que estava sempre correndo. E é verdade, porque até hoje ela é assim. Sua vida era realmente uma grande e frenética correria. O tempo sempre muito curto para dar tempo de fazer tudo ao seu tempo. *Nota importante: Esta última frase eu confesso que não é totalmente minha. Eu li em algum lugar, gostei e resolvi usar, só mudando um pouquinho a sua estrutura. Gostaram? 

            Ah, desculpem!... Eu tenho mania de perder o foco. Eu sou dispersiva. E se não ficar atenta quando estou escrevendo, acabo me tornando prolixa. Uau!... Gostei, mas tenho de confessar mais uma coisa, galera... O Aurélio está aqui do meu lado. 

            Voltando ao caso da minha tia... 

            Ela trabalhava durante o dia e à noite fazia o curso de Administração de Empresas. Além disso tinha de comprar suas frutas - seu único alimento; comprar suas roupas; pagar suas contas; etc. Sem falar dos trabalhos de faculdade que eram muitos. E nos finais de semana gostava de visitar a família que morava numa cidade vizinha. Nós, claro! Aliás, ainda moramos nessa tal cidade. Não vou revelar o nome da cidade, porque tenho medo de ficar famosa e chover de fãs  por aqui,  pedindo autógrafos. 

            Mas voltando à minha tia... convenhamos, o tempo para ela era mesmo muito escasso! 

            Bem, sem mais delongas, vamos ao caso de hoje. Gente, essa palavra aí: delongas, é novidade para mim. Mas a minha avó usa e eu resolvi usar também agora. 

            Desculpem, me desviei do assunto de novo!... 

            Ela, a garota esbelta de pele alva, saiu correndo do trabalho direto para o mercadinho mais próximo. Era dia de comprar seu único alimento: as frutas, como eu já disse. 

            Quase atropelando todo mundo na calçada, conseguiu chegar antes que o mercado fechasse todas as portas. Entrou aliviada. Mais uma vez conseguiu chegar a tempo de comprar suas doces e indispensáveis frutinhas. 

            Escolheu e escolheu, pois era bastante exigente com seu único alimento. 

            Quando terminou de encher o carrinho, foi para o caixa e só então percebeu que era a única compradora presente no recinto. Sentiu-se um pouco constrangida, mas fazer o quê?!... Precisava se alimentar como todo mundo (como todo mundo?!... Acho que nem tanto) e o seu tempo não era suficiente. 

            Bem, pagou a conta, agradeceu, pediu desculpas e saiu correndo, como sempre! 

            Foi direto para o ponto de ônibus. Sempre voltava das compras de ônibus por causa do peso para carregar e do tempo curto. 

            Esperou, esperou e até se desesperou pela demora sem fim do coletivo. 

            Finalmente, cansada de tanto esperar, lá veio ele capengando pela rua. 

            Deu o sinal com o pé mesmo, pois estava com as duas mãos ocupadíssimas com as sacolas que não eram poucas. Afinal, ela só se alimentava de frutas! Ou melhor, ela só se alimenta de frutas até hoje. 

            Entrou no ônibus toda embaraçada com as sacolas pesadas e acabou deixando algumas laranjas caírem no asfalto. 

            Quis descer para pegar, mas uma nobre alma que estava passando ali recolheu as laranjas e devolveu para a sacola dela e a minha tia agradeceu com um largo e simpático sorriso. 

            Com dificuldade conseguiu entrar no ônibus, sentar e acomodar as várias sacolas aos seus pés. Respirou fundo e fechou os olhos na tentativa de relaxar um pouquinho. Depois só teria tempo de novo lá pela meia noite. 

            O ônibus deslizava pelo asfalto como uma seda. Ficou encantada, pois ele parecia tão capenga e, no entanto, ainda conseguia rodar com tanta elegância. 

            Estava tão tranquila que até daria para tirar uma soneca, se não fosse pela freada brusca que o motorista foi obrigado a dar para não atropelar um moleque que, displicentemente, atravessou a rua. 

Ela abriu os olhos assustada e agarrou o p.q.p. (sem querer dar a tradução exata, vou só explicar que é um cano preso no banco da frente para que o passageiro de trás segure e se mantenha firme nas curvas) e inesperadamente viu rolando pelo corredor estreito do coletivo um agrupamento de frutas coloridas. Olhou interrogativa para os próprios pés e as sacolas estavam lá, mas completamente vazias. 

            Não tinha mais dúvidas, era o seu único alimento que rolava em direção à porta. 

            Visualizou suas frutinhas caindo em fila no asfalto e sentiu uma dor horrível no peito... E no estômago também. 

            De repente começou um zunzunzum entre os passageiros, um olhando para o outro querendo entender o que significava aquilo. 

            - São minhas, peguem! – Gritou minha tia, a garota esbelta de pele alva, sentada lá atrás. 

            Todos os passageiros olharam para ela ao mesmo tempo e ela ficou ruborizada, também ao mesmo tempo. Mas não se deixou abater e tornou a gritar já se levantando para correr atrás das frutas. 

            - Por que estão me olhando? Peguem as frutas, por favor! Me ajudem! 

            Aí, foi um verdadeiro bafafá dentro do coletivo. 

            Gente se abaixando e pegando debaixo das poltronas: laranjas, abacaxis, mamões, mangas, maçãs, melões... 

            Alguém, sem querer, pisou nas uvas e as pobrezinhas se transformaram em suco na hora.       Minha tia quase bateu no cara que esmagou suas deliciosas frutinhas, mas pensou melhor e deixou pra lá. Afinal, o coitado só queria ajudar. 

            O motorista que dirigia indiferente à baderna por já estar acostumado, avisou calmamente sem olhar para trás: 

            - Tem um abacaxi aqui no meu pé! 

            Alguém solidário foi lá pegar a fruta e desequilibrando caiu em cima do pobre motorista que se desgovernou e, se não fosse a sua grande experiência, teria batido de frente com uma enorme carreta. O motorista da carreta gritou um palavrão que devemos omitir. Mas logo depois o ônibus voltou a deslizar suavemente pelo asfalto. 

            Uma senhora gritou brava: 

             - Ei, larga, seu atrevido! Tá querendo se aproveitar da situação?!... Palhaço! Tarado! 

            E depois de muita confusão catando frutas que rolavam; discutindo; quase se pegando; e por pouco morrendo numa batida, os passageiros conseguiram se acomodar de novo em seus devidos lugares, voltando ao seu estado de inércia coletiva, cansados e ansiosos para chegarem aos seus destinos (seus lares), após mais um dia de trabalho estafante. 

            E a minha tia, a garota esbelta de pele alva, pôde fechar os olhos novamente, por mais um curto tempinho. E de olhos fechados, pensou decidida: 

            - “Um dia eu saio desta vida de dureza!... Ah, se saio!... Isto eu prometo a mim mesma!” 

            - E sabem que ela saiu mesmo, gente?!...      

  Hoje está formada, trabalhando numa grande empresa e ganhando uma bolada, a poderosa!

FIM

 

1º livro mostrado: "LUARA E SUAS HISTÓRIAS MALUKETS" - (Infantojuvenil)

Este livro é composto por 13 episódios bem-humorados e contarei um (quase real).

 "O INSUPORTÁVEL TOC-TOC"

 - Então, né?... Minha mãe cresceu, casou e eu nasci! E ela até já casou de novo, Meu Deus! Acho que eu não quero seguir o exemplo dela... Quero casar só uma vez... Eu acho...

             Bem, hoje estou cursando o ensino fundamental e nem vai demorar tanto para eu entrar na faculdade. Vou fazer fisioterapia, já está decidido.

            Eu morava na roça com a minha mãe, meu irmãozinho e o meu padrasto. Agora estou morando na casa dos meus tios na cidade, para não depender mais de transporte e poder estudar em paz.

            Para ser mais exata, meus tios não moram em casa e sim em apartamento.

             Azar o meu, porque eu detesto apartamentos. Me sinto uma prisioneira. Talvez seja por influência de uma história que a minha mãe contou e eu reproduzi aqui, no episódio anterior.

            A verdade é que moramos todos no tal apartamento, bem no centro, na avenida principal. Um verdadeiro inferno de tanto barulho.

            Quando digo "todos", estou me referindo a mim mesma, meus tios (os donos do Ap), meus dois primos, minha avó, minha outra tia e a priminha de um ano e meio, sua filhinha.

            Iniciando o fato que aconteceu no mês passado, posso dizer que o som roqueiro dos vizinhos do lado e o cachorro do outro apartamento de cima até que dava para aguentar, mas confesso, o toc-toc dos saltos de um misterioso par de sapatos sobre as nossas cabeças já era demais. Digo misterioso porque ele faz seu toc-toc até de madrugada, ninguém merece!

            Numa lenta e cansativa noite de sexta-feira (parecia 13, mas não era, por incrível de pudesse parecer) acabei por perder o sono de tanto que o toc-toc ressoava nos meus pobres ouvidos. Aí, fiquei rolando na cama pra lá e pra cá, sem o que fazer e o que pensar.

            De repente me veio uma ideia mirabolante, muito doida mesmo.

            E se roubássemos o maldito par de sapatos? - Pensei animada e decidi que faríamos isto: eu e os meus dois primos. Continuei rolando pra lá e rolando pra cá até o dia amanhecer. Só que a falta de sono nem me aborreceu tanto mais, por causa da minha decisão de acabar com aqueles insuportáveis toc-tocs varando dias e noites infindáveis. E o pior era que por mais que aqueles sapatos andassem de um lado para o outro naquele apartamento sinistro do 2º andar, seus saltos não acabavam, acho até que nem gastavam porque o som do toc-toc era sempre igual, soando no mesmo ritmo assustador.

            Não conhecíamos o tal apartamento, apenas sabíamos que era igual ao nosso. Mas uma coisa tínhamos certeza: não era carpetado, porque se fosse, o toc-toc seria abafado e talvez não incomodasse tanto.

            Bem, naquela manhã sonolenta de sábado, demorei um pouco a levantar porque eu estava mais sonolenta do que aquela manhã de sábado.

            Só consegui sair da cama às 10 horas, sentindo o cheiro de bolo assando. Era minha tia preparando o café da manhã para a família que não conseguira dormir o sono dos justos. Imaginei que Morfeu, o deus do sono, devia estar dando umas voltinhas por outras galáxias e nem viu que todos nós precisávamos dos seus fortes braços para dormir em paz.

            Isso eu aprendi na mitologia grega, eu acho.

            Voltando à minha tia, fui até a cozinha e fiquei com pena dela que fazia as coisas como uma sonâmbula, coitada. Não sei como não deixou queimar o bolo de laranja!

            Resolvi tomar uma boa chuveirada para despertar. Afinal, eu ia precisar muito do meu cérebro para planejar e executar o roubo dos sapatos. Saí do banheiro um pouco mais animada.

            Apesar daquela noite horrível os meus tios tiveram de sair bem cedo para trabalhar.  A minha avó ainda dormia, coitada. Minha tia terminou de arrumar a mesa para o nosso café da manhã. Aliás, uma manhã que já estava por terminar, e foi dormir novamente junto à sua filhinha, para tirar o atraso. Percebi que só eu estava de pé. Não tão acordada, mas de pé.

            Fui ao quarto dos meus primos e puxei as pernas deles. Que luta para acordar aqueles dois. Parecia que não iam acordar mais! Até a minha priminha que é apenas um bebê, ainda estava dormindo. Sabe como é bebê, né? Sempre acorda muito antes da família, que é para perturbar bastante. Mas nem a pobrezinha, naquela manhã de sábado, foi poupada. Ficou na cama até mais tarde.

            Bem, tornei a puxar as pernas dos meus primos... Balancei... Sacudi... Até que finalmente acordaram se espreguiçando e soltando um gemido duplo.

            Coitados, estavam mortos.

            - Ei, galera, precisamos ter uma conversa muito séria, levantem logo! - Gritei para que acordassem direito.

            -Credo, Luara, por que tanto grito? Já não basta o toc-toc dos malditos sapatos do andar de cima? - Esbravejou Igor, o primo maior, sentando na cama.

            Mas antes de continuar, quero que vocês conheçam direito os meus primos:

            O Igor tem 10 anos e é muito metido; o Yann tem 8 e é muito medoroso; a Bárbara, que eu já disse a idade: um ano e meio, é uma pirracenta. Mas eu amo todos eles assim mesmo. E quanto aos adultos... Não tem tanta importância assim, deixa pra lá!

            Como já tenho 13 anos, não sou mais tão criança como os meus primos.

            Feitas as apresentações, voltemos ao que realmente interessa: o toc-toc maldito!

            Yann também levantou meio zonzo e ficou olhando para nós sem nada entender.

            - Mas é justamente sobre os malditos sapatos que precisamos conversar, cara! Acho que tive uma ideia muito boa. E se roubarmos aqueles sapatos?

            Igor pensou e meio na dúvida respondeu com outra pergunta:

            - E será que vai dar certo?

            - Claro que vai! Só temos de planejar direito. Terá de ser um roubo perfeito. Mas para amenizar o nosso crime podemos comprar um par de chinelos, embrulhar em papel de presente e deixar no lugar dos sapatos, e aí ela - a dona dos sapatos sinistros - poderá usar à vontade pelo apartamento sem incomodar os de baixo: no caso, nós. Não é uma boa ideia, fala a verdade?

            -É... Parece que sim... - Foi o pequeno Yann que respondeu, meio dormindo ainda.

            - E como será o plano? - Quis saber Igor já gostando da ideia.

            - Pois é... É para isso que estou aqui. Para a gente pensar junto.

            - Ah, já sei! - Gritou Yann pulando da cama de uma só vez, acordando completamente.

            - Sabe o quê, menino doido?!... - Gritei também, mas de susto.

            - E se a gente subisse de escada pela área de serviço? Mamãe sempre deixa a porta da cozinha aberta. Quem sabe os vizinhos também deixam?

            - Gostei, cara, vai dar certo! - Concordou Igor.

            - Eu também acho, mas e a escada?... – Lembrei, eu, que sou a mais realista dos três.

            - É mesmo, não temos uma escada tão grande. - Se tocou Yann chateado.

            - Gente, é preciso saber também se eles já foram para o sítio, como fazem todo sábado. - Observou Igor.

            - Eu vi pela janela quando o carro deles saiu cheio de gente, bolsas, e sei lá mais o quê. Já se mandaram para a roça. - Esclareci.

            Resolvemos procurar alguém que tivesse uma escada grande, muito grande. Andamos quase a cidade inteira e fizemos calos nos nós dos dedos de tanto bater de porta em porta e nada. Nenhuma escada tão grande como a que precisávamos foi encontrada.

            Então decidimos  usar um gancho de ferro que o meu tio usava para sei lá o quê, e mais uma corda enorme que ele também usava para sei lá mais o quê. Juntamos os dois, quero dizer, amarramos o gancho na ponta da corda e jogamos com força para cima. Na verdade eu joguei enquanto os dois ficaram só olhando. Mas como sou a mais velha, mais forte e a mais experiente, tudo bem.

            Esperei o gancho cair no muro da área deles, morrendo de medo de acertar a vidraça da janela da cozinha. Felizmente saiu tudo de acordo com os planos. O gancho enganchou no muro. Puxei a corda com força para me certificar de que estava firme. Tudo em ordem.

            - Igor, pode subir.

            - Eu, Luara?!... Por que não você ou o Yann?

            - Olhe para o tamanho dele e para o seu, seu folgado! Quanto a mim, já fiz a minha parte. Agora é com você, sobe logo.

            Igor fechou uma cara de dar medo. Não gostou nada da ideia de subir sozinho.

            - Pô, veio, só eu?!...

            - Mas é besta, esse cara!...Está bem!... Então vamos os três. Você na frente, depois eu e por último o Yann, ok?

            - Assim está melhor, né, veio?

            Ele começou a "escalar" a corda todo desajeitado. Eu fiquei parada embaixo esperando a minha vez e o Yann tremendo nas bases.

            De repente Igor despencou da corda e caiu bem em cima da minha pobre cabeça. Quase quebrou meu pescoço. Caímos com tudo, levando o Yann junto. Parecíamos bonecos de pano jogados no lixo. E era no lixo mesmo! Caímos bem na lixeira, espalhando lixo para todo lado.

            Nunca pensei que um dia eu ia ficar daquele jeito: toda torta, esparramada no chão, coberta de lixo e de primos. Ficamos ali parados prestando atenção para saber se havíamos acordado nossa tia e nossa avó. Nada. Tudo em silêncio, que alívio! Como explicaríamos aquela corda pendurada no segundo andar e o que fazíamos no meio do lixo?

            Respiramos fundo, mas só depois de nos limparmos e termos certeza que não tinha lixo no nosso nariz e  nenhum osso quebrado.

            Criei coragem ou fiquei com raiva por causa da queda e subi na frente.

            Depois de muito esforço, muita dor e extrema loucura, lá estávamos os três na área da mulher do toc-toc.

            E agora, o que fazer? Estávamos também duros de medo. E se alguém tivesse ficado em casa? Quantas dúvidas atrozes! Mas observamos que o silêncio reinava no interior do apartamento e concluímos que estava vazio.

            Ah!... Esqueci de dizer que o presente (os chinelos) eu joguei para cima antes de subir. Não ia conseguir subir naquela corda segurando um presente!

            Ele tinha caído dentro do tanque cheio d'água. Molhou um pouco, desbotou o papel de presente que era vermelho e acabou ficando rosa, mas tudo bem. Peguei-o gotejando nos meus pés e fui para a porta da cozinha, girei a maçaneta e logo percebi que estava trancada. E agora?  Só nos restava a janela. Quando pensei nisso, o meu primo Igor já tentava abri-la. E foi uma alegria geral quando vimos que estava destrancada. Igor puxou com força e ela se abriu de uma vez, deixando escapar um cheiro forte de tinta fresca. Pelo visto tinham pintado o apartamento justo no final de semana quando sempre vão para o sítio.

            Fui a primeira a entrar. Senti uma sensação muito desagradável ao pular a janela de uma residência alheia. Suportei, mas foi horrível. Principalmente levando em consideração o motivo de tão... reconheço ...mesquinho gesto. Entrei, me coloquei em pé sobre a grande pia de granito preto ( igual à nossa), virei para a janela e puxei os meninos para cima.

            Pulamos no chão da cozinha. O piso frio, não estava apenas frio, mas completamente gelado sob os meus pés. Talvez fosse pelo excesso de medo e tensão que invadiram todo o meu ser. Sem falar do cheiro sufocante de tinta.

            Ficamos parados uns segundos como estátuas.

            Comecei a andar devagar e os meninos me seguiram em silêncio.

            Olhei para o Yann que vinha logo atrás de mim.

             - Aonde vamos primeiro? - Sussurrei.

            Yann, com os olhos arregalados, não respondeu. Foi a voz apagada do Igor que me chegou até aos ouvidos com dificuldade:

            - Vamos começar pela suíte.

            Conhecíamos bem a divisão do apartamento porque era igual ao nosso, como já disse.

            Atravessamos a copa, entramos no pequeno corredor e viramos para a esquerda. Entramos no quarto, passamos pela porta do banheiro que estava fechada. Paramos diante de um enorme guarda-roupa branco.

            Aí, algo dentro de mim aconteceu. Não sei direito explicar o quê, mas foi um grande mal-estar.

            Meu Deus, estávamos invadindo a privacidade da mulher do toc-toc!

            Que vergonha eu senti naquele momento.

            Me olhei no espelho e me vi do tamanho de uma minúscula e insignificante pulga.

            Balancei a cabeça para expulsar aquela cena humilhante e a pulga sumiu da minha frente, dentro do espelho.

            Respirei fundo e pensei que se estávamos ali, então que fizéssemos tudo o que deveríamos fazer e pronto. Assim sendo, sugeri com firmeza:

             - Vamos abrir o guarda-roupa. As pessoas costumam guardar os sapatos no guarda-roupa.

            Igor se adiantou e abriu a primeira das oito portas. Nada. Só tinha roupas penduradas em cabides brancos.

            Aliás, que roupas enormes! - Pensei surpresa. Ela, a mulher do toc-toc (que não conhecíamos) era gorda. Isso explicava os toc-tocs tão fortes sobre nós. Enquanto Igor fechava a porta, eu e o Yann já abríamos outras e nada de sapatos no guarda-roupa.

            Pelo visto ela era diferente da maioria. Não costumava guardar sapatos no guarda-roupa.

            E agora, aonde iríamos? - Pensei.

            Como se o Yann tivesse adivinhado o meu pensamento, falou baixinho:

            -Vamos para o quarto no final do corredor. Aquele em cima do meu e do Igor.

            - Então vamos. Tem de estar lá! - Respondi começando a suar frio.

            Já estava me arrependendo daquela burrada toda, mas como ainda não tinha me arrependido totalmente, continuei.

            Chegamos no tal quarto. Ali só tinha uma cama de solteiro e um armário muito estranho. Imaginem que ele só tinha gavetas, muitas gavetas e nada mais! Não contei quantas por causa da aflição que sentia e também porque aquele não era momento propício para se contar gavetas, mas pelo seu tamanho, devia ter umas quatorze. Nunca vi coisa igual!

            Com certeza, não podia ter sapatos naquelas gavetas. - Pensei.

            - Vamos para o outro quarto, aqui não tem sapatos. - E fui saindo.

            Quando íamos entrando no terceiro quarto, o menor, que era o equivalente ao meu lá embaixo, o cachorro do apartamento ao lado latiu muito bravo, como se percebesse a presença de estranhos. Na verdade, ele percebeu mesmo. E seus latidos pareciam estar ali, bem pertinho de nós.

            Nem precisava dizer que quase desmaiamos de susto, né?

            Agarrei o braço do Igor e o Yann agarrou o meu. Que dor horrível, credo! Nunca imaginei que o meu priminho de apenas 8 anos tivesse tanta força. Ou seria medo?!...

            A porta do quarto estava aberta e já mais calmos, olhamos através dela. Só tinha uma grande sapateira.

            De repente a gente se tocou:

            - SAPATEIRA?!?!... - Sussurramos juntos com vontade de gritar.

            Uau, finalmente íamos encontrar os malditos sapatos!

            Corremos para abri-la e nesse exato momento ouvimos alguém subindo as escadas do prédio.

            Gelei dos pés à cabeça... ou da cabeça aos pés, sei lá! Nem deu para perceber muito bem por onde começou a gelar. A verdade é que gelou tudo!

            Ficamos paralisados.

            Parecia que eram duas pessoas, por causa da conversa.

            Ouvimos a chave girar no buraco da fechadura e, com toda a certeza, por um instante o fortíssimo Apolo tinha descansado seus fortíssimos braços, deixando o mundo desabar na minha cabeça. E foi naquele exato momento que eu descobri o quanto gosto de mitologia.

            Consegui agarrar os meninos, sem nada dizer e os arrastar para o quarto da mulher, que poderia até ser inocente, mas para mim era agora uma terrível megera. Empurrei os meninos debaixo da cama e escorreguei atrás deles. Foi o tempo certinho, até que a mulher e um homem entrassem no apartamento rindo às gargalhadas. Que risadas mais escandalosas e sinistras, meu Deus! - Pensei apavorada e com raiva ao mesmo tempo.

            E se descobrissem a gente? O que iria acontecer? Não dava nem para calcular a dimensão da gravidade da nossa situação. Nem quis pensar mais. Fechei os olhos e me entreguei ao meu próprio destino. Mas por mais que eu não quisesse, eu ouvia tudo.

            Senti o corpo do Yann colado ao meu, tremendo inteiro. Meu Deus, aquele menino ia ter um ataque nervoso a qualquer momento! - Pensei angustiada.

            Entraram no quarto. Lembrando que o quarto é dela, né, gente?

            O homem falou umas coisas que prefiro nem repetir. Que baixaria!

            Abriram o guarda-roupa e a porta rangeu por falta de um óleozinho básico. A mulher falou feliz:

            - Vou levar este aqui. É o mais lindo que tenho.

            Talvez estivesse se referindo a um dos muitos e enormes vestidos. Jamais ficarei sabendo, porque jamais hei de perguntar.

            Fizeram tudo o que tinham de fazer ali no quarto... Calma, gente!... Era só pegar alguma coisa mesmo, nada mais. Talvez o suposto vestido. Imaginem se resolvessem fazer mais alguma coisa. Meu Deus, não quero nem pensar!

            A essas alturas eu e os meus primos já parecíamos mais três bonecos de pedra do que três garotos apavorados. E eu sempre grudada no presente daquela mulher.

            Nunca pensei que eu seria capaz de ideias tão idiotas. Essa de invadir o lar alheio foi imperdoável.

            Os dois saíram rindo alto e foram para a cozinha, tudo indicava.

            De repente o homem gritou assustado:

            - Corre aqui na área de serviço, você vai cair dura!

            Aí estremeci e depois quem ficou mais dura ainda fui eu. Haviam descoberto o gancho e a corda. O que seria de nós agora? E também da nossa família, claro. Só Deus podia saber...

            Ouvimos a voz da mulher e sentimos um alívio tão grande que tive vontade de correr até ela e beijá-la inteira. Ela disse simplesmente:

            -Não acredito nisso!... Com certeza foi o moleque do meu filho que fez isso para descer ao apartamento de baixo. Que vergonha esse menino me faz passar! Tire a corda, por favor, enquanto pego o queijo na geladeira.

            Ouvimos o barulho do gancho se soltando do muro e a corda sendo puxada para cima. Pensei no meu pobre tio. Acabava de perder sua maravilhosa corda e seu precioso gancho.

            E como iríamos descer agora? - Pensei. Mas logo lembrei que para descer é sempre mais fácil, porque  todos os santos ajudam, pelo menos é o que o povo diz. Aí deixei rolar.

            O problema é que depois de falar tão doces palavras, a mulher voltou a ser a mesma megera de antes, porque disse calmamente:

            - Pegue o meu sapato branco de salto. Aquele novo, que você me deu no meu aniversário. Está debaixo da minha cama.

            Gelamos mais ainda.

            O homem já estava perto da cama e se abaixou (percebi pelos movimentos dos pés. E que pés enormes!), passou a também enorme mão embaixo da cama quase me tocando a perna e antes que resolvesse olhar o que não estava encontrando, ouvimos a voz dela como suave melodia:

            - Não, não! Está na sapateira, no quarto pequeno!

            E o homem se foi. Novamente me deu vontade de beijá-la inteira. Já estava começando a simpatizar com aquela mulher.

            - Vamos? - Era a voz dela.

            - Vamos! - Era a voz dele.

            Ouvimos a porta fechar e a chave girar na fechadura.

            Ufa! Estávamos salvos, pelo menos por enquanto.

            Ficamos mais um tempo ali espremidos embaixo da cama por medida de segurança. Quando o silêncio voltou a reinar no ambiente, fomos saindo devagar, escorregando pelo chão frio, como três vermes de esgoto. Acho que era assim que nos sentíamos de verdade naquele instante.

            Levantamos e minhas costas, pernas, braços... Doía tudo, credo!

            - Bem, pessoal, vamos para a sapateira? - Convidei esquecendo as dores.

            Corremos quase nos atropelando. Fui a primeira a chegar, como sempre. Abri a tal sapateira que era bem grande e ficamos de boca aberta. Nunca tínhamos visto tantos sapatos, a não ser em lojas de sapatos.

            E agora? Qual seria o maldito sapato do toc-toc?

            Tive uma ideia que me pareceu razoável. Calcei um par e andei pelo apartamento. Concluímos que não era aquele pelo som diferente daquele que conhecíamos tão bem. Não fazia toc-toc e sim tec-tec.

            Fui calçando um por um e nada. Eu já estava com as batatas das pernas doendo e com cãibra, quando de repente encontramos o "dito cujo carcará sanguinolento", (não me perguntem o que significa isso porque eu não sei. Minha avó que costuma usar esta expressão maluca).

            Era aquele, só podia ser! Seu toc-toc era tão familiar para nós que não tivemos mais dúvidas. Um olhou para o outro e sussurramos a duras penas ( a vontade era gritar): - É este!

            - Vamos levar logo, veio! Tô morrendo de medo e não quero mais ficar aqui nem um segundo. - Implorou o amedrontado Yann, que já é medroso por natureza.

            Pequei os malditos (vermelhos e muito cafonas) e deixei o embrulho de presente no lugar deles. Meu Deus! Aguentar toc-toc noite e dia já não era fácil, mas ainda por cima de um par de sapatos cafonas, me polpe!

            - Vamos, galera? - Chamei os meninos e saí a mil em direção à área de serviço. Igor foi quem lembrou a nossa atual realidade:

            - Não tem mais corda para a gente descer.

            Gelei. Meu cérebro deixou de funcionar por alguns segundos, eu acho, porque fiquei lesadinha de pedra! Não conseguia pensar, falar, mexer um só dedo sequer. Igor me sugeriu jogar logo os sapatos do toc-toc pela área de serviço lá na nossa área. Achei a ideia ótima, porque eu não aguentava mais olhar aqueles sapatos horríveis e principalmente sentir o seu cheiro de queijo vencido. Joguei e ouvimos o som estrondoso lá embaixo.

            Agora só nos restava a porta, mas como abri-la sem chaves? - Pensei.

            Yann, mais uma vez adivinhou o meu pensamento, porque sugeriu:

            - Luara, e se a gente tentar abrir a porta com um grampo de cabelo, que nem nos filmes de bandido e mocinho?

            Até que ele lembrou bem, mas... que grampo? Eu não uso grampo! Se bem que podíamos usar um arame qualquer no lugar do grampo. - Pensei animada.

            Procuramos num armário velho na área de serviço e nada de arames. Eu já estava ficando desanimada quando Igor lembrou o armário cheio de gavetas no quarto que parecia ser do moleque, o filho da mulher do toc-toc.

            Corri na frente. A primeira gaveta, de cima para baixo, estava repleta de roupas emboladas.

            Abri a segunda e... meias, cuecas, toalhas e mais uns trecos esquisitos... Não fiquei olhando muito e quando ia abrir a terceira, o Igor quase gritou:

            - Tenho certeza que vamos encontrar de tudo na última. - E foi logo abrindo.

            Eu acreditei na hora, porque sei muito bem como ele é. A última gaveta do armário do quarto deles está sempre cheia de porcarias. Acho que todo menino é assim.

            E ele acertou na mosca, que bagunça horrorosa! Tinha de tudo um pouco ali, uma verdadeira lixeira.

            Reviramos tudo e o Igor encontrou (ele tem muita habilidade) o que procurávamos: um pedaço de arame fininho. Senti um grande peso sair dos meus ombros.

            Peguei o arame da mão dele (lembrando que sou a mais velha) e corri para a sala. Cutuquei...cutuquei... mas que abrir, que nada!

            Desiludida, me toquei que mocinhos de filmes não passam de mentiras. Não são heróis coisa nenhuma!

            Igor me tomou o arame e me empurrou para o lado e eu nem fiquei brava.

            Ele, cheio de habilidades, enfiou o arame, mexeu um pouquinho e pronto. A porta estava destrancada. Meteu a mão na maçaneta e... ai, que alívio! Parecia a porta para o céu. As escadas de mármore branco do prédio desciam na nossa frente como uma cachoeira cristalina, aos meus olhos.

            Já íamos sair, quando ouvimos o portão abrindo lá embaixo na portaria.

            Gelei tudo de novo.

            Entramos de volta no apartamento, fechamos a porta, corremos para o quarto da mulher e nos enfiamos debaixo da cama outra vez.   Eu não aguentava mais aquelas situações repetitivas. Íamos acabar contraindo essa doença moderna que chamam de LER, e no corpo inteiro. Que coisa mais chata e que sufoco!

            Nunca pensei que fosse tão ruim ser ladrão. Senti vontade de aconselhar os meus primos a nunca desviarem seus caminhos pela vida, mas achei desnecessário porque sei que não vão fazer isso. Depois de tudo o que estavam passando, com certeza, não iam mesmo querer ser bandidos.

            Ouvimos vozes e passos na escada, lá fora. Tensos, esperamos ouvir a porta se abrir outra vez, mas não abriu. As pessoas continuaram subindo, até que não ouvimos mais nada.

            Respirei fundo. Comecei a me arrastar para fora daquele beco apertado e os meninos me seguiram.

            Aquilo já tinha virado pesadelo.

            Corri para a sala e eles atrás de mim. Abri a porta bem devagarzinho... olhei no corredor... tudo limpo. Fui saindo e os meninos vieram atrás. Igor, que vinha por último, fechou a porta com cuidado e começamos a descer as escadas em silêncio.

            De repente Yann, muito desajeitado e tenso, acho que tropeçou no próprio pé e rolou escada abaixo.

            - Será que vai começar tudo de novo? - Pensei angustiada.

            Eu e o Igor descemos a mil, pegamos ele aos berros lá embaixo, morrendo de dor, coitadinho! Levantamos ele no ar, como um boneco quebrado, e acabamos de descer correndo com ele suspenso no ar.

            Vimos a porta do nosso apartamento e quase caí de alegria. Girei a maçaneta rápido, mas estava trancada.

            - Ai, Meu Deus!...

            Eu e o Igor batemos na porta ao mesmo tempo, ouvindo o eco do choro do Yann estrondar pelo prédio todo.

            - Abram logo, pelo amor de Deus! - Implorei mentalmente.

            Na verdade, nem precisava mais de tanto desespero, mas não conseguíamos raciocinar e nem pensamos nisso.

            Minha avó abriu a porta e parecia mais um robô, coitada! Nós entramos como um furacão. Bati a porta com tanta força que até eu me assustei. Vovó, sem entender nada, pegou o Yann e me olhou assustada, acordando por completo:

            - Luara, o que aconteceu?

            Nem sei direito o que respondi. Só sei que não foi nenhuma grosseria, porque jamais faço esse tipo de coisa com as pessoas mais velhas e muito menos com a minha própria avó.

            O safado do Yann já tinha engolido o choro e parecia não sentir mais nada!        

            Então corremos os três até a área de serviço para pegar os sapatos antes que alguém os visse ali.             Olhei por todos os cantos e não vi os malditos. O local estava limpo e arrumado. Minha tia era muito caprichosa, sem dúvida.

            Igor e Yann me olharam incrédulos e eu sussurrei para eles:

            - Gente, cadê os danados?

            - Sei lá!... - Respondeu Igor com os olhos vidrados.           

            Pensei numa possibilidade e perguntei à minha avó, como quem não quer nada:

             - Vó, o lixo já desceu hoje?

            A resposta natural e tão inocente foi como uma bomba para nós:

            - Já, querida. Sua tia levou agorinha mesmo.

            - Ai, nããão!... - Gritei. Minha tia já tinha descido com o lixo pela 2ª vez. Que azar o nosso!

            Vovó não entendeu meu desespero e nem podia mesmo entender. "Não sabia da missa um terço!", diriam os mais antigos do que a minha avó.

            - Querida, o que tinha de tão importante no lixo?

            - Nada, não, vó... deixa pra lá!

            Olhei para os meninos e eles me olharam. Saímos correndo de casa, descemos como doidos as escadas do prédio. Desta vez Yann teve o cuidado de segurar no corrimão.

            Chegamos à lixeira da rua e o que vimos quase nos deixou loucos.

            Os sapatos estavam jogados bem no meio da calçada, expostos para quem quisesse ver. E nesse exato momento o carro da mulher do toc-toc estacionava na frente da portaria do prédio, bem pertinho dos sapatos... E de nós.

            Gelei pela 10ª vez... mais ou menos!

            Pulei sobre os sapatos e fiquei grudada neles sob o meu corpo, com a ponta do maldito salto me furando as costelas. Fiz isso para ela não ver. Só que ela saltou do carro e toda solícita veio até mim e me estendeu a mão dizendo:

            - Oh, meu bem, você caiu! Coitadinha!... Me dê a mão, vou te ajudar a levantar.

            Olhei para ela e me senti muito menor do que a pulga insignificante do espelho. Que sórdidos somos nós! - Pensei com ódio de mim mesma.

            Naquele momento eu entendi que ela não era nenhuma megera. Era apenas uma pessoa comum e  agradável que gostava de andar no seu próprio apartamento com aqueles malditos sapatos e que provavelmente nem tinha consciência da existência dos toc-tocs, que tanto nos incomodavam.

            Dei-lhe a mão e minha voz saiu num fio, quase nada:

            - Obrigada, estou bem. Na verdade eu ia pegar os seus sapatos que eu vi caindo da sua janela. Ia entregar à senhora... - Menti, esperando que ela fosse desligada e não lembrasse que os sapatos estavam na sapateira. E dei sorte, porque era mesmo bastante "avoada", pelo visto. Me puxou e eu levantei meio tonta, não sei se por causa daquele salto me furando as costelas ou de tanta vergonha e humilhação.

            - Oh, meu amor, que gesto tão lindo! Obrigada, meu bem, mas para ser sincera eu já ia mesmo jogá-los no lixo. Já estão velhos, gastos e tão feios. Pode deixá-los aí na lixeira, querida.

            Eu juro que tive vontade de me jogar no monte de lixo abraçada aos sapatos e ali ficar para sempre, porque era exatamente assim que eu me sentia: um lixo.

            Os meninos saíram de fininho, entraram no prédio e subiram correndo, me deixando sozinha com a nossa "vítima" e a consciência reduzida à nada.

            E nós que nos imaginávamos suas vítimas, que terrível engano!

            Eu e ela subimos juntas. Ela sorridente de cabeça erguida e eu arrasada de cabeça arriada. Ela me dizia alguma coisa que eu nem ouvia de tanta vergonha. Minha cara estava no chão.

            Entrei em casa e ela continuou subindo, depois de me agradecer de novo pelo meu "bonito gesto". Só consegui enviar um sorriso amarelo para ela.

            Fechei a porta e fiquei encostada nela olhando para o nada.

            Lembrei da porta que ficou destrancada e do presente (os chinelos). Mas nem gelei mais. Para mim tanto fazia o que poderia acontecer de agora em diante.

            Fui ao quarto dos meninos e cada um estava deitado em sua própria cama, virado para a parede, encolhido num silêncio comovente. Dava dó ver aquela cena. E eu era a culpada. Não tive coragem de falar nada, mas imaginei que estavam se sentindo tão pequenos quanto eu me sentia.

            Corri para o meu quarto, me joguei na cama (de bruços!) e chorei de arrependimento. Como nós adolescentes gostamos de fazer.

            Dois dias depois ouvi a voz da "senhora" do 2º andar (agora ela era senhora e não mais a mulher do toc-toc). Ela falava com alguém no corredor do prédio, que achava que tinha sido o moleque do seu filho que tinha deixado os chinelos de presente para ela. Ria feliz e dizia orgulhosa:

             - Esse moleque é demais! Adoro esse menino, mesmo sabendo que tem mania de esquecer a porta destrancada quando sai!

            Bem, a experiência desastrosa serviu para nos ensinar a respeitar mais os nossos semelhantes e também para que pudéssemos finalmente dormir em paz, a partir daquela fatídica manhã de sábado.   Afinal, já não existia mais os vermelhos e horríveis sapatos, mas apenas um par de chinelos silenciosos e macios sob os pés daquela simpática senhora. 

            E acho que o meu tio nem precisa da corda e do gancho, porque ainda não perguntou por eles.

              FIM

 

 

 

 

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