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O Tempo (Carlos Drummond de Andrade)
"Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um individuo genial.
Industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar
e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação
e tudo começa outra vez, com outro número
e outra vontade de acreditar
que daqui para diante tudo vai ser diferente.
Para você, desejo o sonho realizado,
o amor esperado,
a esperança renovada.
Para você, desejo todas as cores desta vida,
todas as alegrias que puder sorrir,
todas as músicas que puder emocionar.
Para você, neste novo ano,
desejo que os amigos sejam mais cúmplices,
que sua família seja mais unida,
que sua vida seja mais bem vivida.
Gostaria de lhe desejar tantas coisas...
Mas nada seria suficiente...
Então desejo apenas que você tenha muitos desejos,
desejos grandes.
E que eles possam mover você a cada minuto
ao rumo da sua felicidade.”
Metade (Oswaldo Montenegro)
Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo que acredito não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio.
Que a música que eu ouço ao longe seja linda, ainda que triste.
Que a mulher que eu amo seja sempre amada, mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida e a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento.
Porque metade de mim é o que eu ouço, mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço.
Que essa tensão que me corroe por dentro seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso e a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste, que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto o doce sorriso que eu me lembro de ter dado na infância.
Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei...
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é a platéia e a outra metade, a canção.
E que minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor e a outra metade... também.
ISMÁLIA (Alphonsus de Guimaraens)
Quando Ismália enlouqueceu,
pôs-se na torre a sonhar.
Viu uma lua no céu,
viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu.
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu.
Estava longe do mar.
E como um anjo pendeu
as asas para voar...
Queria a lua do céu,
queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
seu corpo desceu ao mar...
Poema de Sete Faces (Carlos Drummond de Andrade)
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo, mundo, vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo, mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável. O sofrimento é opcional. (Carlos Drummond de Andrade)
Recomeçar (Drummond)
Não importa onde você parou...
Em que momento da vida você cansou...
O que importa é que sempre é possível e necessário "RECOMEÇAR".
RECOMEÇAR é dar uma nova chance a si mesmo...
É renovar as esperanças na vida e, o mais importante...
Acreditar em você de novo.
Sofreu muito neste período?
Foi aprendizado...
Chorou muito?
Foi limpeza da alma...
Ficou com raiva das pessoas?
Foi para perdoá-las um dia...
Sentiu-se só por diversas vezes?
É porque fechaste a porta até para os anjos...
Acreditou em tudo que estava perdido?
Era o início de tua melhora...
Onde você quer chegar?
Ir alto?
Sonhe alto...
QUEIRA O MELHOR DO MELHOR...
Se pensamos pequeno...
Coisas pequenas teremos...
Mas se desejarmos fortemente o melhor e
PRINCIPALMENTE LUTARMOS PELO MELHOR...
O melhor vai se instalar em nossa vida.
Porque sou do tamanho daquilo que vejo.
E não do tamanho da minha altura."
Carlos Drummond de Andrade
Porque (Carlos Drummond de Andrade)
Amor meu, minhas penas, meu delírio,
Aonde quer que vás, irá contigo
Meu corpo, mais que um corpo, irá um'alma,
Sabendo embora ser perdido intento
O de cingir-te forte de tal modo
Que, desde então se misturando as partes,
Resultaria o mais perfeito andrógino
Nunca citado em lendas e cimélios
Amor meu, punhal meu, fera miragem
Consubstanciada em vulto feminino,
Por que não me libertas do teu jugo,
Por que não me convertes em rochedo,
Por que não me eliminas do sistema
Dos humanos prostrados, miseráveis,
Por que preferes doer-me como chaga
E fazer dessa chaga meu prazer?
A Um Ausente (Carlos Drummond de Andrade)
Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.
Inconfesso Desejo (Carlos Drummond de Andrade)
Queria ter coragem
Para falar deste segredo
Queria poder declarar ao mundo
Este amor
Não me falta vontade
Não me falta desejo
Você é minha vontade
Meu maior desejo
Queria poder gritar
Esta loucura saudável
Que é estar em teus braços
Perdido pelos teus beijos
Sentindo-me louco de desejo
Queria recitar versos
Cantar aos quatros ventos
As palavras que brotam
Você é a inspiração
Minha motivação
Queria falar dos sonhos
Dizer os meus secretos desejos
Que é largar tudo
Para viver com você
Este inconfesso desejo
A Verdade (Carlos Drummond de Andrade)
A porta da verdade estava aberta,
Mas só deixava passar
Meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
Porque a meia pessoa que entrava
Só trazia o perfil de meia verdade,
E a sua segunda metade
Voltava igualmente com meios perfis
E os meios perfis não coincidiam verdade...
Arrebentaram a porta.
Derrubaram a porta,
Chegaram ao lugar luminoso
Onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
Diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual
a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela
E carecia optar.
Cada um optou conforme
Seu capricho,
sua ilusão,
sua miopia.
As Sem-razões do Amor (Carlos Drummond de Andrade)
Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
Ausência (Carlos Drummond de Andrade)
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
Os Ombros Suportam o Mundo (Drummond)
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Quadrilha (Carlos Drummond de Andrade)
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava
Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos,
Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre,
Maria ficou pra tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
A Língua Lambe (Carlos Drummond de Andrade)
A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.
E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos
Para Sempre (Drummond)
Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.
Fazenda (Drummond)
Vejo o Retiro: suspiro
no vale fundo.
O Retiro ficava longe
do oceano mundo.
Ninguém sabia da Rússia
com sua foice.
A morte escolhia a forma
breve de um coice.
Mulher, abundavam negras
socando milho.
Rês morta, urubus rasantes,
logo em concílio.
O amor das éguas rinchava
no azul do pasto.
E criação e gente, em liga,
tudo era casto..
Se Eu Morresse Amanhã (Álvares de Azevedo)
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã,
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! Que céu azul! Que doce n’alva
Acorda ti natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
Minha Desgraça (Álvares de Azevedo)
Minha desgraça não é ser poeta,
Nem na terra de amor não ter um eco,
E meu anjo de Deus, o meu planeta
Tratar-me como trata-se um boneco...
Não é andar de cotovelos rotos,
Ter duro como pedra o travesseiro...
Eu sei... O mundo é um lodaçal perdido
Cujo sol (quem mo dera!) é o dinheiro...
Minha desgraça, ó cândida donzela,
O que faz que o meu peito blasfema,
É ter para escrever todo um poema
E não ter um vintém para uma vela.
Anjos do Céu (Álvares de Azevedo)
As ondas são anjos que dormem no mar,
Que tremem, palpitam, banhados de luz...
São anjos que dormem, a rir e sonhar
E em leito d'escuma revolvem-se nus!
E quando de noite vem pálida a lua
Seus raios incertos tremer, pratear,
E a trança luzente da nuvem flutua,
As ondas são anjos que dormem no mar!
Que dormem, que sonham- e o vento dos céus
Vem tépido à noite nos seios beijar!
São meigos anjinhos, são filhos de Deus,
Que ao fresco se embalam do seio do mar!
E quando nas águas os ventos suspiram,
São puros fervores de ventos e mar:
São beijos que queimam... e as noites deliram,
E os pobres anjinhos estão a chorar!
Ai! quando tu sentes dos mares na flor
Os ventos e vagas gemer, palpitar,
Por que não consentes, num beijo de amor
Que eu diga-te os sonhos dos anjos do mar?
Adeus, Meus Sonhos! (Álvares de Azevedo)
Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!
Misérrimo! Votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto,
E minh'alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.
Que me resta, meu Deus?
Morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já não vejo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!
Amor (Álvares de Azevedo)
Amemos! Quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
Na tu'alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!
Quero em teus lábio beber
Os teus amores do céu,
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
Quero viver d'esperança,
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!
Vem, anjo, minha donzela,
Minha'alma, meu coração!
Que noite, que noite bela!
Como é doce a viração!
E entre os suspiros do vento
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!
Soneto (Álvares de Azevedo)
Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar! Na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era mais bela! O seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!
Mãe (Mário Quintana)
Mãe... São três letras apenas
As desse nome bendito:
Também o Céu tem três letras...
E nelas cabe o infinito.
Para louvar nossa mãe,
Todo o bem que se disse
Nunca há de ser tão grande
Como o bem que ela nos quer...
Palavra tão pequenina,
Bem sabem os lábios meus
Que és do tamanho do Céu
E apenas menor que Deus!
Data e Dedicatória (Mário Quintana)
Teus poemas, não os dates nunca... Um poema
Não pertence ao Tempo... Em seu país estranho,
Se existe hora, é sempre a hora estrema
Quando o anjo Israel nos estende ao sedento
Lábio o cálice inextinguível...
Um poema é de sempre, Poeta:
O que tu fazes hoje é o mesmo poema
Que fizeste em menino,
É o mesmo que,
Depois que tu te fores,
Alguém lerá baixinho e comovidamente,
A vivê-lo de novo...
A esse alguém,
Que talvez ainda nem tenha nascido,
Dedica, pois, os teus poemas.
Não os dates, porém:
As almas não entendem disso...
Viver (Mário Quintana)
Quem nunca quis morrer
Não sabe o que é viver
Não sabe que viver é abrir uma janela
E pássaros sairão por ela
E hipocampos fosforescentes
Medusas translúcidas
Radiadas
Estrelas-do-mar... Ah,
Viver é sair de repente
Do fundo do mar
E voar...
e voar...
cada vez para mais alto
Como depois de se morrer!
Os Poemas (Mário Quintana)
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
Confissão (Mário Quintana)
Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!
Canção Para Uma Valsa Lenta (Mário Quintana)
Minha vida não foi um romance...
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amas, não digas, que morro
De surpresa… de encanto… de medo...
Minha vida não foi um romance...
Minha vida passou por passar.
Se não amas, não finjas, que vivo
Esperando um amor para amar.
Minha vida não foi um romance...
Pobre vida… passou sem enredo...
Glória a ti que me enches a vida
De surpresa, de encanto, de medo!
Minha vida não foi um romance...
Ai de mim… Já se ia acabar!
Pobre vida que toda depende
De um sorriso... de um gesto... um olhar...
Ah! Os Relógios (Mário Quintana)
Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...
Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.
Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.
E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...
Presença (Mário Quintana)
É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
a folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te!
Bilhete (Mário Quintana)
Se tu me amas,
ama-me baixinho.
Não o grites de cima dos telhados,
deixa em paz os passarinhos.
Deixa em paz a mim!
Se me queres, enfim,
...tem de ser bem devagarinho,
...amada,
...que a vida é breve,
...e o amor
...mais breve ainda.
Canção do Dia de Sempre (Mário Quintana)
Tão bom viver dia a dia…
A vida assim, jamais cansa…
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu…
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência… esperança…
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas…
(Mário Quintana)
Da vez primeira em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha...
Depois, de cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha...
E hoje, dos meus cadáveres, eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada...
Arde um toco de vela, amarelada...
Como o único bem que me ficou!
Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!
Ah! Desta mão, avaramente adunca,
Ninguém há de arrancar-me a luz sagrada!
Aves da Noite! Asas do Horror! Voejai!
Que a luz, trêmula e triste como um ai,
A luz do morto não se apaga nunca!
Canção do Amor Imprevisto (Mário Quintana)
Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita…
A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.
Desencanto (Manuel Bandeira)
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
Eu faço versos como quem morre.
Vou-me Embora pra Pasárgada (Manuel Bandeira)
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
Lá sou amigo do rei
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
Testamento (Manuel Bandeira)
O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros - perdi-os...
Tive amores - esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.
Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.
Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.
Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!
Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!
Carta-Poema (Manuel Bandeira)
Excelentíssimo Prefeito
Senhor Hildebrando de Góis,
Permiti que, rendido o preito
A que fazeis jus por quem sois,
Um poeta já sexagenário,
Que não tem outra aspiração
Senão viver de seu salário
Na sua limpa solidão,
Peça vistoria e visita
A este pátio para onde dá
O apartamento que ele habita
No Castelo há dois anos já.
É um pátio, mas é via pública,
E estando ainda por calçar,
Faz a vergonha da República
Junto à Avenida Beira-Mar!
Indiferentes ao capricho
Das posturas municipais,
A ele jogam todo o seu lixo
Os moradores sem quintais.
Que imundície! Tripas de peixe,
Cascas de fruta e ovo, papéis...
Não é natural que me queixe?
Meu Prefeito, vinde e vereis!
Quando chove, o chão vira lama:
São atoleiros, lodaçais,
Que disputam a palma à fama
Das velhas maremas letais!
A um distinto amigo europeu
Disse eu: - Não é no Paraguai
Que fica o Grande Chaco, este é o
Grande Chaco! Senão, olhai!
Excelentíssimo Prefeito
Hildebrando Araújo de Góis
A quem humilde rendo preito,
Por serdes vós, senhor, quem sois!
Mandai calçar a via pública
Que, sendo um vasto lagamar,
Faz a vergonha da República
Junto à Avenida Beira-Mar!
Poemeto Erótico (Manuel Bandeira)
Teu corpo claro e perfeito,
- Teu corpo de maravilha,
Quero possuí-lo no leito
Estreito da redondilha...
Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa... flor de laranjeira...
Teu corpo, branco e macio,
É como um véu de noivado...
Teu corpo é pomo doirado...
Rosal queimado do estio,
Desfalecido em perfume...
Teu corpo é a brasa do lume...
Teu corpo é chama e flameja
Como à tarde os horizontes
É puro como nas fontes
A água clara que serpeja,
Que em cantigas se derrama...
Volúpia de água e da chama...
A todo momento o vejo...
Teu corpo... a única ilha
No oceano do meu desejo...
Teu corpo é tudo o que brilha,
Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa, flor de laranjeira...
Renúncia (Manuel Bandeira)
Chora de manso e no íntimo... Procura
Curtir sem queixa o mal que te crucia:
O mundo é sem piedade e até riria
Da tua inconsolável amargura.
Só a dor enobrece e é grande e é pura.
Aprende a amá-la que a amarás um dia.
Então ela será tua alegria,
E será, ela só, tua ventura...
A vida é vã como a sombra que passa...
Sofre sereno e de alma sobranceira,
Sem um grito sequer, tua desgraça.
Encerra em ti tua tristeza inteira.
E pede humildemente a Deus que a faça
Tua doce e constante companheira...
Arte de Amar (Manuel Bandeira)
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Fernando Pessoa
Onde você vê um obstáculo,
alguém vê o término da viagem
e o outro vê uma chance de crescer.
Onde você vê um motivo pra se irritar,
Alguém vê a tragédia total
E o outro vê uma prova para sua paciência.
Onde você vê a morte,
Alguém vê o fim
E o outro vê o começo de uma nova etapa...
Onde você vê a fortuna,
Alguém vê a riqueza material
E o outro pode encontrar por trás de tudo, a dor e a miséria total.
Onde você vê a teimosia,
Alguém vê a ignorância,
Um outro compreende as limitações do companheiro,
percebendo que cada qual caminha em seu próprio passo.
E que é inútil querer apressar o passo do outro,
a não ser que ele deseje isso.
Cada qual vê o que quer, pode ou consegue enxergar.
"Porque eu sou do tamanho do que vejo.
E não do tamanho da minha altura."
Fresta (Fernando Pessoa)
Em meus momentos escuros
Em que em mim não há ninguém,
E tudo é névoas e muros
Quanto a vida dá ou tem,
Se, um instante, erguendo a fronte
De onde em mim sou aterrado,
Vejo o longínquo horizonte
Cheio de sol posto ou nado
Revivo, existo, conheço,
E, ainda que seja ilusão
O exterior em que me esqueço,
Nada mais quero nem peço.
Entrego-lhe o coração.
Não Sei Quantas Almas Tenho (Fernando Pessoa)
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não atem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que sogue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu.
Vaga, no azul amplo solta, vai uma nuvem errando... (Fernando Pessoa)
Vaga, no azul amplo solta,
Vai uma nuvem errando.
O meu passado não volta.
Não é o que estou chorando.
O que choro é diferente.
Entra mais na alma da alma.
Mas como, no céu sem gente,
A nuvem flutua calma.
E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
De emoção que a hora tece.
Mas, em verdade, o que chora
Na minha amarga ansiedade
Mais alto que a nuvem mora,
Está para além da saudade.
Não sei o que é nem consinto
À alma que o saiba bem.
Visto da dor com que minto
Dor que a minha alma tem.
Cai Chuva do Céu Cinzento (Fernando Pessoa)
Cai chuva do céu cinzento
Que não tem razão de ser.
Até o meu pensamento
Tem chuva nele a escorrer.
Tenho uma grande tristeza
Acrescentada à que sinto.
Quero dizer-ma, mas pesa
O quanto comigo minto.
Porque verdadeiramente
Não sei se estou triste ou não.
E a chuva cai levemente
(Porque Verlaine consente)
Dentro do meu coração.
O Amor, Quando Se Revela (Fernando Pessoa)
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar pra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
Soneto da Fidelidade (Vinícius de Morais)
E tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meus pensamentos
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive)
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure
Soneto do Amor Total (Vinícius de Morais)
Amo-te tanto meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te enfim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
Soneto de Devoção (Vinícius de Morais)
Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica em meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.
Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria.
Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.
Essa mulher é um mundo! - uma cadela
Talvez... - mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!
Ausência (Vinícius de Morais)
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar seus olhos que são doces...
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres exausto...
No entanto a tua presença é qualquer coisa, como a luz e a vida...
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto...
E em minha voz, a tua voz...
Não te quero ter, pois em meu ser tudo estaria terminado...
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados...
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada...
Que ficou em minha carne como uma nódoa do passado...
Eu deixarei...Tu irás e encostarás tua face em outra face...
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada...
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu...
porque eu fui o grande íntimo da noite...
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa...
Porque os meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
E eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém, porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas,
serão a tua voz presente, tua voz ausente, a tua voz serenizada.
Vinícius de Morais
Ai, quem me dera terminasse a espera
Retornasse o canto simples e sem fim
E ouvindo o canto se chorasse tanto
Que do mundo o pranto se estancasse enfim
Ai, quem me dera ver morrer a fera
Ver nascer o anjo, ver brotar a flor.
Ai, quem me dera uma manhã feliz.
Ai, quem me dera uma estação de amor
Ah, se as pessoas se tornassem boas
E cantassem loas e tivessem paz
E pelas ruas se abraçassem nuas
E duas a duas fossem ser casais
Ai, quem me dera ao som de madrigais
Ver todo mundo para sempre afim
E a liberdade nunca ser demais
E não haver mais solidão ruim
Ai, quem me dera ouvir o nunca-mais
Dizer que a vida vai ser sempre assim
E, finda a espera, ouvir na primavera
Alguém chamar por mim.
De Repente (Vinícius de Morais)
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
A Rosa de Hiroshima (Vinícius de Morais)
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti- rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
Pela Luz dos Olhos Teus (Vinícius de Morais)
Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar
Ai que bom que isso é meu Deus
Que frio que me dá o encontro desse olhar
Mas se a luz dos olhos teus
Resiste aos olhos meus só pra me provocar
Meu amor, juro por Deus me sinto incendiar,
Meu amor, juro por Deus
Que a luz dos olhos meus já não pode esperar
Quero a luz dos olhos meus
Na luz dos olhos teus sem mais lará-lará
Pela luz dos olhos teus
Eu acho meu amor que só se pode achar
Que a luz dos olhos meus precisa se casar.
Vinícius de Morais
Eu sei e você sabe
Já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe
Que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos
Me encaminham a você.
Assim como o Oceano, só é belo com o luar
Assim como a Canção, só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem, só acontece se chover
Assim como o poeta, só é bem grande se sofrer
Assim como viver sem ter amor, não é viver
Não há você sem mim
E eu não existo sem você!
Noturno (Antero de Quental)
Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento...
Como um canto longínquo - triste e lento-
Que voga e sutilmente se insinua,
Sobre o meu coração que tumultua,
Tu vestes pouco a pouco o esquecimento...
A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando. entre visões, o eterno Bem.
E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Gênio da Noite, e mais ninguém!
O Que Diz A Morte (Antero de Quental)
Deixai-os vir a mim, os que lidaram;
Deixai-os vir a mim, os que padecem;
E os que cheios de mágoa e tédio encaram
As próprias obras vãs, de que escarnecem...
Em mim, os sofrimentos que não saram,
Paixão, dúvida e mal, se desvanecem.
As torrentes da dor, que nunca param,
Como num mar, em mim desaparecem.
Assim a Morte diz. Verbo velado,
Silencioso intérprete sagrado
Das cousas invisíveis, muda e fria,
É, na sua mudez, mais retumbante
Que o clamoroso mar; mais rutilante,
Na sua noite, do que a luz do dia.
Oceano (Antero de Quental)
Junto do mar, que erguia gravemente
À trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o voo do pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,
Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas, vagamente...
Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que ideia gravitais?
Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais...
Meu Sonho (Cecília Meireles)
Parei as águas do meu sonho
para teu rosto se mirar.
Mas só a sombra dos meus olhos
ficou por cima, a procurar...
Os pássaros da madrugada
não têm coragem de cantar,
vendo o meu sonho interminável
e a esperança do meu olhar.
Procurei-te em vão pela terra,
perto do céu, por sobre o mar.
Se não chegas nem pelo sonho,
por que insisto em te imaginar?
Quando vierem fechar meus olhos,
talvez não se deixem fechar.
Talvez pensem que o tempo volta,
e que vens, se o tempo voltar.
Motivo (Cecília Meireles)
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E sei que um dia estarei mudo:
- mais nada
Traze-me (Cecília Meireles)
Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.
Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.
Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
-Vê que nem te digo - esperança!
-Vê que nem sequer sonho - amor!
Timidez (Cecília Meireles)
Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...
- mas só esse eu não farei.
Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...
- palavra que não direi.
Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,
- que amargamente inventei.
E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando...
e um dia me acabarei.
Canção (Cecília Meireles)
Não te fies do tempo nem da eternidade,
que as nuvens me puxam pelos vestidos
que os ventos me arrastam contra o meu desejo!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te vejo!
Não demores tão longe, em lugar tão secreto,
nácar de silêncio que o mar comprime,
o lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te escuto!
Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anêmona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo...
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te digo...
Serenata (Cecília Meireles)
" ... Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.
Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.
Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo ... "
Cecília Meireles
O meu amor não tem
importância nenhuma.
Não tem o peso nem
de uma rosa de espuma!
Desfolha-se por quem?
Para quem se perfuma?
O meu amor não tem
importância nenhuma.
Ou Isto Ou Aquilo (Cecília Meireles)
Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
4º Motivo Da Rosa (Cecília Meireles)
Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.
Rosas verá, só de cinzas franzidas,
mortas, intactas pelo teu jardim.
Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.
E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.
O Enterro Da Cigarra (Olegário Mariano)
As formigas levavam-na... Chovia...
Era o fim... Triste Outono fumarento...
Perto, uma fonte, em suave movimento,
Cantigas de água trêmula carpia.
Quando eu a conheci, ela trazia
Na voz um triste e doloroso acento.
Era a, cigarra de maior talento,
Mais cantadeira desta freguesia.
Passa o cortejo entre árvores amigas...
Que tristeza nas folhas.., que tristeza
Que alegria nos olhos das formigas!
Pobre cigarra! quando te levavam,
Enquanto te chorava a Natureza,
Tuas irmãs e tua mãe cantavam...
Kremmer (Olegário Mariano)
Foi um dia de kremesse.
Depois de rezá três prece
Pra que os santo me ajudasse,
Deus quis que nós se encontrasse
Pra que nós dois se queresse,
Pra que nós dois se gostasse.
Inté os sinos dizia
Na matriz da freguezia
Que embora o tempo corresse,
Que nós sempre se queresse,
Que nós sempre se gostasse.
Um dia, na feira, eu disse
Com a voz cheia de meiguice
Nos teus ouvido, bem doce:
Rosinha si eu te falasse...
Si eu te beijasse na face...
Tu me dás-se um beijo? - Dou-se.
E toda a vez que nos vemo,
A um só tempo perguntemo
Tu a mim, eu a vancê:
Quando é que nós se casemo,
Nós que tanto se queremo,
Pro que esperamos pro quê?
Vancê não falou comigo
E eu com vancê, pro castigo,
Deixei de falá também,
Mas, no decorrê dos dia,
Vancê mais bem me queria
E eu mais te queria bem.
- Cabôco, vancê não presta,
Vancê tem ruga na testa,
Veneno no coração.
- Rosinha, vancê me xinga,
Morde a surucucutinga,
Mas fica o rasto no chão.
E de uma vez, (bem me lembro!)
Resto de safra... Dezembro...
Os carro afundando o chão.
Veio um home da cidade
E ao curuné Zé Trindade
Foi pedi a sua mão.
Peguei no meu cravinote
Dei quatro ou cinco pinote
Burricido como o quê,
Jurgando, antes não jurgasse,
Que tu de mim não gostasse,
Quando eu só amo a vancê.
Esperei outra kremesse
Que o seu vigário viesse
Pra que nós dois se casasse.
Mas Deus não quis que assim sesse
Pro mais que nós se queresse
Pro mais que nós se gostasse.
Boêmia Triste (Olegário Mariano)
Éramos três em torno à mesa. Três que a vida,
Na sua trama de ilusões urdida,
Juntou ao mesmo afeto e na mesma viuvez...
Um músico, um pintor, e um poeta. Éramos três...
O primeiro falou: - Veio da melodia
De um noturno, a mulher que me fez triste assim.
Amei-a como se ama a fantasia
E ela sendo mulher fugiu de mim...
Hoje tenho a alma como um piano vivo
Que mão nenhuma acordará talvez...
É por esse motivo que eu sou mais desgraçado que vocês...
Disse o segundo: - Meu amigos, a sorte golpeou-nos, com a mais vil ingratidão
À mim levou-me à morte, o que eu tinha de melhor
A ilusão de que a vida era ilusão.
A força, a graça, o espírito, a beleza
A estátua humana olímpica e pagã
Espelho, natural da natureza
Nota da flauta mágica de Pan
Morreu com ela a vida, a luz, a cor
Manhã de sol e tarde de ametista
A paleta e a esperança de um pintor...
Todo o delírio de um impressionista.
Fez-se um grande silêncio em torno à mesa,
Silêncio de saudade e tristeza...
O terceiro baixou os olhos devagar
Disse um nome baixinho e não pode falar...
A Canção da Saudade (Olegário Mariano)
Que tarde imensa e fria!
Lá fora o vento rodopia...
Dança de folhas... Folhas, sonhos vãos,
que passam, nesta dança transitória,
deixando em nós, no fundo da memória,
o olhar de uns olhos e a carícia de umas mãos.
Ante a moldura de um retrato antigo,
põe-se a gente a evocar coisas emocionais.
Tolda-se o olhar, o lábio treme, a alma se aperta,
tudo deserto... a vide em torno tão deserta
que vontade nos vem de sofrer mais!
Depois, há sempre um cofre e desse cofre
tiramos velhas cartas, devagar...
É a volúpia enervante de quem sofre:
ler velhas cartas e depois chorar.
Que tarde imensa e fria!
Nunca mais te verei... Nunca mais me verás...
Lá fora o vento rodopia...
Que desejo me vem de sofrer mais!
O Enamorado da Vida (Olegário Mariano)
Eu sou um enamorado da Vida!
Para sentir melhor o céu na minha casa,
Plantei a minha casa entre o mar e a montanha.
Se as ondas vêm rugir a meus pés, a horas mortas,
A lua desce a mim numa carícia estranha.
Bebo as estrelas de mais perto... Abraço
Todo o corpo do céu num simples movimento.
E, quando chove, sinto a torrente das chuvas
Trazendo da montanha, em seu penacho de águas,
Frondes, ninhos, calhaus e pássaros ao vento.
Eu sou um enamorado da Vida!
Amo-a por tudo quanto ela me pode dar:
A água fresca da fonte, a carícia da sombra,
E até a calma silenciosa e mansa
Desse crepúsculo que baixa devagar.
Em cada mão de folha a minha boca bebe
O orvalho da manhã como um suave licor.
E abro os pulmões, sorvendo em tudo o que me envolve
Essa onda de volúpia e de êxtase e perfume
Que vem do amor e que me leva para o amor
Eu sou um enamorado da Vida!
Tenho ímpetos de voar, de galgar, de vencer
Colinas, penetrar o coração dos vales,
Relinchando feliz como um potro selvagem
Que solta as crinas no ar para melhor correr;
Ou retesar as asas brancas de gaivota
E atirar-me na fúria incrível das procelas;
Beber em haustos toda a glória do mar alto,
Rolar no bojo dos batéis desarvorados
Ou as asas enxugar no alvo lenço das velas
Vida! Quero viver todas as tuas horas,
As que prendi na mão e as que nunca alcancei.
Ser um pouco de ti no espelho das paisagens
Para, quando morrer, levar dentro dos olhos
A beleza imortal de tudo quanto amei.
O Conselho das Árvores (Olegário Mariano)
Sofro, luz dos meus olhos, quando dizes
Que a vida não te alenta nem conforta.
Olha o exemplo das árvores felizes
Dentro da solidão da noite morta.
Que lhes importa a dor, que lhes importa
O drama que há no fundo das raízes?
Não sentem quando o vento os ramos corta
E as folhas leva em várias diretrizes?
Que lhes importa a maldição do outono
E os dedos envolventes da garoa,
Se dão sombra às taperas no abandono?!...
Levanta os braços para o firmamento
E canta a vida porque a vida é boa
Mesmo esmagada pelo sofrimento.
Deixa o Olhar do Mundo (Olavo Bilac)
Deixa que o olhar do mundo enfim devasse
Teu grande amor que é teu maior segredo!
Que terias perdido, se, mais cedo,
Todo o afeto que sentes se mostrasse?
Basta de enganos!
Mostra-me sem medo
Aos homens, afrontando-os face a face:
Quero que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos, apontem-me com o dedo.
Olha: não posso mais!
Ando tão cheio
Deste amor, que minh'alma se consome
De te exaltar aos olhos do universo...
Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio:
E, fatigado de calar teu nome,
Quase o revelo no final de um verso.
Em Mim Também (Olavo Bilac)
Em mim também, que descuidado vistes,
Encantado e aumentando o próprio encanto,
Tereis notado que outras cousas canto
Muito diversas das que outrora ouvistes.
Mas amastes, sem dúvida ... Portanto,
Meditai nas tristezas que sentistes:
Que eu, por mim, não conheço cousas tristes,
Que mais aflijam, que torturem tanto.
Quem ama inventa as penas em que vive;
E, em lugar de acalmar as penas, antes
Busca novo pesar com que as avive.
Pois sabei que é por isso que assim ando:
que é dos loucos somente e dos amantes
na maior alegria andar chorando
Primavera (Olavo Bilac)
Ah! quem nos dera que isso, como outrora,
inda nos comovesse! Ah! Quem nos dera
que inda juntos pudéssemos agora
ver o desabrochar da primavera!
Saíamos com os pássaros e a aurora,
e, no chão, sobre os troncos cheios de hera,
sentavas-te sorrindo, de hora em hora:
"Beijemo-nos! amemo-nos! espera!"
E esse corpo de rosa recendia,
e aos meus beijos de fogo palpitava,
alquebrado de amor e de cansaço...
A alma da terra gorjeava e ria...
Nascia a primavera... E eu te levava,
primavera de carne, pelo braço!
Remorso (Olavo Bilac)
Às vezes, uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas em que ando.
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.
Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah! Mais cem vidas! com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando!
Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro, neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude,
Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!
Ao Coração Que Sofre (Olavo Bilac)
Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.
Não me basta saber que sou amado,
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.
E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;
E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.
Velhas Árvores (Olavo Bilac)
Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...
O homem, a fera e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres da fome e de fadigas:
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.
Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo. Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,
Na glória de alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!
Ouvir Estrelas (Olavo Bilac)
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."
Só (Olavo Bilac)
Este que um Deus cruel arremessou à vida
Marcando com um sinal da sua maldição
Este que desabrochou com uma erva má
Nascida apenas para os pés ser calcada no chão.
De motejo em motejo arrasta a alma ferida
Sem constância no amor dentro do coração,
Sente, crespa crescer a selva retorcida
Dos pensamentos maus, filhos da solidão.
Longos dias sem sol. Noites de eterno luto.
Alma cega, perdida à-toa no caminho,
Roto casco de nau desprezado no mar
E árvore acabará sem nunca dar um fruto.
E homem há de morrer como viveu:
Sozinho, sem ar, sem luz, sem Deus
Sem fé, sem pão, sem lar.
A Boneca (Olavo Bilac)
Deixando a bola e a peteca,
Com que inda há pouco brincavam,
Por causa de uma boneca,
Duas meninas brigavam.
Dizia a primeira: "É minha!"
- "É minha!" a outra gritava;
E nenhuma se continha,
Nem a boneca largava.
Quem mais sofria (coitada!)
Era a boneca. Já tinha
Toda a roupa estraçalhada,
E amarrotada a carinha.
Tanto puxaram por ela,
Que a pobre rasgou-se ao meio,
Perdendo a estopa amarela
Que lhe formava o recheio.
E, ao fim de tanta fadiga,
Voltando à bola e à peteca,
Ambas, por causa da briga,
Ficaram sem a boneca ...
Um Beijo (Olavo Bilac)
Foste o beijo melhor da minha vida,
ou talvez o pior...Glória e tormento,
contigo à luz subi do firmamento,
contigo fui pela infernal descida!
Morreste, e o meu desejo não te olvida:
queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
e do teu gosto amargo me alimento,
e rolo-te na boca malferida.
Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,
batismo e extrema-unção, naquele instante
por que, feliz, eu não morri contigo?
Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto,
beijo divino! e anseio delirante,
na perpétua saudade de um minuto...
Inania Verba (Olavo Bilac)
Ah! Quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
- Ardes, sangras, pregada à tua cruz e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...
O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:
A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...
E a Palavra pesada, abafa a Ideia leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e voava.
Quem o molde achará para a expressão de tudo?
Ai! Quem há de dizer as ânsias infinitas
Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta?
E a ira muda? e o asco mudo? E o desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?
Morrer...Dormir... (Francisco Otaviano)
Morrer...Dormir... Nada mais! Termina a vida
E com ela terminam nossas dores:
Um punhado de terra, algumas flores,
E às vezes uma lágrima fingida!
Sim! Minha morte não será sentida;
Não deixo amigos, nem tive amores,
Ou se os tive, mostraram-se traidores,
Algozes vis de uma alma consumida.
Tudo é podre no mundo. Que me importa
Que ele amanhã se desabe,
Se a natureza para mim é morta!
É tempo já que meu exílio acabe...
Vem, pois, ó morte, ao nada me transporta!
Morrer...Dormir...Talvez sonhar...Quem sabe?
Recordações (Francisco Otaviano)
Oh! se te amei! Toda a manhã da vida
Gastei-a em sonhos que de ti falavam!
Nas estrelas do céu via teu rosto,
Ouvia-te nas brisas que passavam:
Oh! se te amei! Do fundo de minh’alma
Imenso, eterno amor te consagrei...
Era um viver em cisma de futuro!
Mulher! oh! se te amei!
Quando um sorriso os lábios te roçava,
Meu Deus! que entusiasmo que sentia!
Láurea coroa de virente rama
Inglório bardo, a fronte me cingia;
À estrela alva, às nuvens do Ocidente,
Em meiga voz teu nome confiei.
Estrela e nuvens bem no seio o guardam;
Mulher! oh! se te amei!
Oh! se te amei! As lágrimas vertidas,
Alta noite por ti; atroz tortura
Do desespero d’alma, e além, no tempo,
Uma vida sumir-se na loucura...
Nem aragem, nem sol, nem céu, nem flores,
Nem a sombra das glórias que sonhei...
Tudo desfez-se em sonhos e quimeras...
Mulher! oh! se te amei!
Ilusões de Vida (Francisco Otaviano)
Quem passou pela vida em branca nuvem
E em plácido repouso adormeceu,
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu,
Foi espectro de homem - não foi homem,
Só passou pela vida – não viveu.
Querer (Pablo Neruda)
Não te quero senão porque te quero
E de querer-te a não querer-te chego
E de esperar-te quando não te espero
Passa meu coração do frio ao fogo.
Te quero só porque a ti te quero,
Te odeio sem fim, e odiando-te rogo,
E a medida de meu amor viageiro
É não ver-te e amar-te como um cego.
Talvez consumirá a luz de janeiro
Seu raio cruel, meu coração inteiro,
Roubando-me a chave do sossego.
Nesta história só eu morro
E morrerei de amor porque te quero,
Porque te quero, amor, a sangue e a fogo.
Nos Bosques, Perdido (Pablo Neruda)
Nos bosques, perdido, cortei um ramo escuro
E aos lábios, sedento, levante seu sussurro:
era talvez a voz da chuva chorando,
um sino quebrado ou um coração partido.
Algo que de tão longe me parecia
oculto gravemente, coberto pela terra,
um grito ensurdecido por imensos outonos,
pela entreaberta e úmida treva das folhas.
Porém ali, despertando dos sonhos do bosque,
o ramo de avelã cantou sob minha boca
E seu odor errante subiu para o meu entendimento
como se, repentinamente, estivessem me procurando as raízes
que abandonei, a terra perdida com minha infância,
e parei ferido pelo aroma errante.
Não o quero, amada.
Para que nada nos prenda
para que não nos una nada.
Nem a palavra que perfumou tua boca
nem o que não disseram as palavras.
Nem a festa de amor que não tivemos
nem teus soluços junto à janela...
Pablo Neruda
Para meu coração teu peito basta,
para que sejas livre, minhas asas.
De minha boca chegará até o céu
o que era adormecido na tua alma.
Mora em ti a ilusão de cada dia
e chegas como o aljôfar às corolas.
Escavas o horizonte com tua ausência,
eternamente em fuga como as ondas.
Eu disse que cantavas entre vento
como os pinheiros cantam, e os mastros
Tu és como eles alta e taciturna.
Tens a pronta tristeza de uma viagem.
Acolhedora como um caminho antigo,
povoam-te ecos e vozes nostálgicas.
Despertei e por vezes emigram e fogem
pássaros que dormiam em tua alma.
Pablo Neruda
Já és minha. Repousa com teu sonho em meu sonho.
Amor, dor, trabalhos, devem dormir agora.
Gira a noite sobra suas invisíveis rodas
e junto a mim és pura como âmbar dormido.
Nenhuma mais, amor, dormirá com meus sonhos.
Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.
Nenhuma mais viajará pela sombra comigo,
só tu, sempre-viva, sempre sol, sempre lua.
Já tuas mãos abriram os punhos delicados
e deixaram cair suaves sinais sem rumo,
teus olhos se fecharam como duas asas cinzas.
Enquanto eu sigo a água que levas e me leva:
a noite, o mundo, o vento enovelam seu destino,
e já não sou sem ti senão apenas teu sonho.
O Vento na Ilha (Pablo Neruda)
Vento é um cavalo:
ouve como ele corre
pelo mar, pelo céu.
Quer me levar: escuta
como ele corre o mundo
para levar-me longe.
Esconde-me em teus braços
por esta noite erma,
enquanto a chuva rompe
contra o mar e a terra
sua boca inumerável.
Escuta como o vento
me chama galopando
para levar-me longe.
Como tua fronte na minha,
tua boca em minha boca,
atados nossos corpos
ao amor que nos queima,
deixa que o vento passe
sem que possa levar-me.
Deixa que o vento corra
coroado de espuma,
que me chame e me busque
galopando na sombra,
enquanto eu, protegido
sob teus grandes olhos,
por esta noite só
descansarei, meu amor.
Antes de Amar-te... (Pablo Neruda)
Antes de amar-te, amor, nada era meu
Vacilei pelas ruas e as coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.
E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam na areia.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,
Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o outono.
Ângela Adônica (Pablo Neruda)
Hoje deitei-me junto a uma jovem pura
como se na margem de um oceano branco,
como se no centro de uma ardente estrela
de lento espaço.
Do seu olhar largamente verde
a luz caía como uma água seca,
em transparentes e profundos círculos
de fresca força.
Seu peito como um fogo de duas chamas
ardia em duas regiões levantado,
e num duplo rio chegava a seus pés,
grandes e claros.
Um clima de ouro madrugava apenas
as diurnas longitudes do seu corpo
enchendo-o de frutas estendidas
e oculto fogo.
Walking Around (Pablo Neruda)
Acontece que me canso de meus pés e de minhas unhas,
do meu cabelo e até da minha sombra.
Acontece que me canso de ser homem.
Todavia, seria delicioso
assustar um notário com um lírio cortado
ou matar uma freira com um soco na orelha.
Seria belo
ir pelas ruas com uma faca verde
e aos gritos até morrer de frio.
Passeio calmamente, com olhos, com sapatos,
com fúria e esquecimento,
passo, atravesso escritórios e lojas ortopédicas,
e pátios onde há roupa pendurada num arame:
cuecas, toalhas e camisas que choram
lentas lágrimas sórdidas.
Os Teus Pés (Pablo Neruda)
Quando não te posso contemplar
Contemplo os teus pés.
Teus pés de osso arqueado,
Teus pequenos pés duros,
Eu sei que te sustentam
E que teu doce peso
Sobre eles se ergue.
Tua cintura e teus seios,
A duplicada purpura
Dos teus mamilos,
A caixa dos teus olhos
Que há pouco levantaram voo,
A larga boca de fruta,
Tua rubra cabeleira,
Pequena torre minha.
Mas se amo os teus pés
É só porque andaram
Sobre a terra e sobre
O vento e sobre a água,
Até me encontrarem.